Buscando o mar (Férias – Dia 8)
Há
dias que amanhecem nublados para que nos possa sobrar o olhar e nos consigamos ver
bem por dentro.
E
com o Alvão e o Tâmega escondidos, restaram as dálias vermelhas, e sobretudo,
os pensamentos e as lembranças tecidas por tantas palavras e sensações, para
que o dia pudesse sorrir com intensidade.
Um
Homem feliz é um Homem bem agarrado às suas raízes, um Homem envolvido na
coerência entre a herança e o seu presente. Sinto-o ao pequeno-almoço quando
tudo e nada é um pretexto para uma conversa e uma gargalhada à mesa com os meus
pais.
As
conversas de onde nascem as memórias daqueles que nos encheram os dias do
passado e já partiram, dos amigos de hoje, dos outros quatro membros da família
mais próxima…
A
minha mãe esqueceu-se de trazer um dos seus terços e reza todos os dias pela
manhã enquanto nós dormimos, desfiando as contas daquele que eu trago comigo no
carro. As raízes e o mesmo tronco comum, a linguagem e os gestos de uma mesma
fé.
E
um Homem feliz é também um Homem que não trava sentimentos e se deixa ir pela
verdade, é um Homem que envia e recebe palavras de amor com mais nenhum outro
motivo que não seja o próprio amor.
Sinto-o
quando leio o que me escreves, e também quando busco as palavras mais justas
para a tradução deste inédito sentir.
E
um Homem feliz é um Homem que viajando estrada fora, consegue disponibilizar o
olhar para a festa que o caminho, com mais ou menos nuvens, sempre lhe oferece.
De
Mondim de Basto viajámos para Guimarães, e foi debaixo de uma chuva inusitada e
quente de Agosto, que percorremos o centro histórico ao redor da Senhora da
Oliveira.
Aqui
nasceu Portugal, para renascer depois em 1640 na minha Vila Viçosa, e como
Portugal necessita urgentemente de renascer…
Tomámos
um café, comprámos um presépio para a colecção e um galo cor de laranja, e
seguimos buscando o mar na rota do Cávado, almoçando depois junto ao mar de
Esposende.
Um
mar cinzento a impor lembranças de olhares azuis, um mar de inverno em pleno
Agosto, mas o mar nunca é triste, e mesmo assim revolto nas ondas contra o
areal, sempre nos embala e nos leva pela poesia.
Recordo
Sophia:
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Chegámos
a Viana do Castelo envoltos pela neblina e ao fim de meio dia não conseguimos
ainda sequer vislumbrar Santa Luzia.
Sobra-me
o olhar para pensar em ti.
Pelo
facto de te amar tanto assim, sinto que sou irmão do tempo no mar de Sophia,
porque por muito que pareça estranho, estando “preso” a ti, eu encontrei toda a
minha liberdade.
E que bom foi ter um dia cheio de nuvens a permitir espreitar tão
profundamente para dentro do que sou.
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