Da Montanha Mágica ao Rio do Ouro (Férias – Dia 4)
O
rio corre e soa tranquilo, alguns poucos metros abaixo dos meus pés, oferecendo
assim à noite uma acrescida paz, benefício que comprovo no instante em que chego
à janela para espreitar a lua na companhia do meu pai, e acabamos os dois a
olhar as estrelas, tentando decifrar todos os luzeiros que o céu guarda.
Estamos
no Douro, o Pinhão é já ali e a Quinta de La Rosa oferece-nos abrigo.
No
meu quarto tenho livros, muitos livros, e uma parede de granito que a casa
grande da quinta herdou da escarpa que se faz à água e que o Homem foi
“tecendo” de socalcos, os degraus extraordinariamente férteis por onde “cresce”
o vinho.
A
imponência da Terra expressa por uma rocha imensa, o rio, as estrelas, o luar e
as palavras todas impressas em tantos livros, tudo isso numa perfeita
intimidade comigo e com a minha nudez; e é tão fácil conseguir depreender quão
óbvio e pequeno é o poder do Homem sobre as maravilhas todas do universo.
Assim,
numa simples noite de luar.
Para
chegar aqui desde Monfortinho cruzámos a Estrela, no caminho entre a Covilhã e
Seia, com uma pausa na Pousada da Serra para um almoço com amigos.
Os
mosaicos, a arquitectura dos espaços comuns, e também as muitas fotos que estão
espalhadas pela unidade hoteleira inaugurada em Abril passado, transportam-nos
para a anterior finalidade do edifício: o sanatório dos ferroviários.
Como
no livro de Thomas Mann, a Serra aqui a tentar ser Estrela, e uma Montanha
Mágica para as imensas vítimas do terrível bacilo de Koch. O romancista Alemão
afirma no seu livro que “todo o interesse
na doença e na morte é, em verdade, apenas uma outra expressão do nosso
interesse pela vida”.
E
a vida, sim, é o centro de tudo quando passamos pela Serra da Estrela à
conversa sobre as nossas anteriores visitas, sobre a minha estreia ali com os
meus avós em 1974 num passeio de uma semana, e a vida espreita por detrás de tantas
histórias e tantas palavras que se vão cruzando com estas tão antigas e que quase
sempre nos fazem rir.
E
a vida, sim, é extraordinária nos momentos passados à janela de uma quinta que
espreita o Douro, falando de estrelas com o meu pai, e admirando a lua em
quarto crescente.
E
a vida, sim, é perfeita no instante em que numa mensagem me sorris e me falas
de amor.
E
a vida, sim…
Tudo o mais serão apenas expressões diferentes e às vezes bem enviesadas
deste interesse pelo extraordinário que é viver.
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