A perseverança dos heróis (Férias – Dia 6)
Deixamos o
Douro subindo do Pinhão a Sabrosa, seguindo entre os inevitáveis vinhedos, e alimentando
a alma por via do olhar e da perfeição “colhida” em cada uma das curvas daquela
que eu há muito considero uma das minhas estradas, um dos meus caminhos
dilectos da terra lusa.
É
obrigatório vir aqui pelo menos uma vez na vida para que sintamos como o olhar
reza dispensando quaisquer palavras.
Dizemos
sempre que subimos a Trás-os-Montes, porque sim, pela latitude, mas sobretudo
porque é grande e elevada a alma da gente que é bênção desta terra.
O
primeiro Homem a demonstrar que a Terra é redonda tinha forçosamente de ser
Transmontano, Fernão de Magalhães, nascido em Sabrosa. Espreitamos a casa onde
nasceu… entre vinhas.
E
seguimos depois para São Martinho de Anta, berço de Miguel Torga, o génio
mestre de palavras e do sentir que me fez amar esta terra e esta gente muito antes
de vir até aqui.
Há
feira e festa nas ruas, mas o ruído de quem vende e de quem compra aproveitando
a breve estada dos emigrantes, não consegue calar da minha memória as palavras
do poeta:
“A
gente não endoudece de desespero. Há um tal poder de recuperação dentro de nós,
que cada trovoada que vem encontra o corpo já esquecido da que passou.”
A
resistência dos bravos, dos Homens fortes irmãos do granito e heróis da
persistência do ser.
E
as palavras revestem-se de eternidade quando nos são dadas pela alma dos
poetas.
Depois
seguimos… Vila Real e o Alvão.
Há
infinitas ribeiras de água fresca e límpida escorrendo pela serra entre o denso
arvoredo, há fontes que correm e nos oferecem o privilégio da água pura que nos
mata a sede e nos refresca o rosto e o pescoço num dia quente como este.
Há
os aromas, todos juntos, indecifráveis.
Mondim
de Basto e o Monte Farinha, um “micro-Pico” que é altar da Senhora da Graça,
cedo se avistam quando seguimos por entre pequenas aldeias que nasceram sempre à
sombra de uma Igreja, oráculo da santos ou da fé da gentes, que por estes dias
se encontra decorada com festão e luzes garridas na fachada.
Pelas
aldeias, há homens carregando arcos e pondo lâmpadas nas ruas, que é Agosto e
todos voltaram para ver e fazer a festa.
E
ao fim da tarde, da janela do meu hotel eu consigo cheirar as flores do campo,
e espreitar o mundo todo nas montanhas que se erguem aos céus como mãos da
Terra rezando a Deus.
Alimento-me
de paz.
Agora,
já é noite e ouço lá fora os grilos enquanto escrevo à janela e na cumplicidade
da lua.
Sigo
por Torga:
“A
natureza organiza estas coisas bem. Já contando com as nortadas do mar alto,
deu ao pinheiro uma fibra tão obstinada, que ele torce-se nas dunas, nodoso e
corcunda, mas não quebra nem morre”.
E quem diz um pinheiro pode dizer uma alma… ao jeito de Trás-os-Montes.
Comentários
Enviar um comentário