“Lindas, cheirosas e fantásticas”
Se
são inteiramente gratuitos, a chuva e o nevoeiro em Agosto no alto do Monte de
Santa Luzia, em Viana do Castelo; o acesso ao sol e ao mar supostamente quente
do sul tem um elevadíssimo preço pago directamente por transferência bancária a
partir da nossa conta corrente de tolerância e paciência.
E
a factura, sem direito a desconto no IRS, e ao jeito de portagem, começa logo a
pagar-se nas Áreas de Serviço da A2, antecâmara do pior que nos espera por
aqui.
Escolhi
um hotel numa zona não muito mediática e em que o acesso à praia até pressupõe
uma viagem de barco, pensando desta forma evitar os malefícios do turismo de
massas, mas foi em vão.
As
“pseudo-tias” genéricas de imitação barata que gritam nas filas dos centros
comerciais aos fins-de-semana nos dias livres em que não têm de ir à repartição
vieram todas para aqui comigo.
Vestiram-se
de rendas brancas e pretas por onde se espreitam os fatos de banho da La Redoute a tentar em vão esconder a
celulite que não morreu com os drenantes que beberam durante a primavera,
enfeitaram as cabeças das filhas com fitas de seda fazendo-as parecer embrulhos
de presente da “Teresa Alecrim”, entregaram os i-pads aos Afonsos, aos Bernardos e aos Santiagos, vestiram os
maridos de Lacoste mas com os
crocodilos afogados nas asneiras que constantemente lhes saem da boca por entre
a imagem de tio beto marinheiro entregue ao inevitável destino de ti Manel dos
matraquilhos... e vieram todas atrás de mim.
Todos
juntos, gritam no restaurante como se quisessem ser ouvidos em Casablanca,
entornam a comida por todos os sítios, empurram-se uns aos outros, dizem
asneiras, coçam a genitália na fila dos grelhados; mas sempre tudo a bem da
descontracção das férias para partilharem de aqui a dias na repartição.
Por
entre as rendas e as cores impossíveis dos cabelos pintados no cabeleireiro SanJam
do Shoping mais perto de casa, elas "mascaram-se" de tudo, e
comparado com isto, o Carnaval de Torres Vedras é uma produção de ópera do São
Carlos.
Ontem
ao jantar tive à minha frente uma criatura tão prateada que o vestido dela a
esvoaçar entre as mesas pejadas de gente era uma versão em tecido daquelas
frases estúpidas que as pessoas põem no Facebook só para chamarem à atenção: “engoli
uma mosca”, “estou grávida” ou “acabei de fazer amor com um jacaré”.
Não
fosse eu um proprietário de lentes anti-reflexo, e ainda tinha engolido o
garfo.
Nas
praias competem em cor com as sombrinhas, em cheiro com a Moqueca de camarão, e
em ruído com a sirene do Cabo de São Vicente.
Até
as gaivotas se têm mantido à distância.
A
mesma distância que eu gostaria de ter tido de um grupo no toldo ao lado que
entre Francês e Português se divertiram toda a tarde a rebolar na areia, aos
gritos, quase me impedindo de escutar a “oração de sapiência” da criatura que
no toldo do outro lado, explicava os benefícios do seu creme Ambre Solaire que era simultaneamente
protector e bronzeador.
Estando
por aqui sozinho, calmo e calado, tento passar despercebido nas refeições e
também no areal onde recostado à sombra me entrego à leitura de Ovídio e de
"A arte de amar"; mas sem sucesso.
Ontem
o filho de uma "tia" aproximou-se a perguntar se eu queria comprar
pulseiras de elásticos.
Rosnei-lhe
um não muito feroz e hoje estou a pensar levar um letreiro para pôr no toldo ao
jeito de "Cuidado com o cão".
À
noite, sentado numa esplanada a beber uma Água Tónica, fui agredido no pescoço
por um dos “embrulhos da Teresa Alecrim” que usava a base da cobertura como
ensaio para a dança de varão que um dia possivelmente ainda irá praticar
profissionalmente.
A
mãe nem desviou os olhos do i-phone e
o pai é que ainda disse a medo:
-
Princesa não incomode o senhor.
Princesa…
Enfim,
corro o risco de ser o Alien de serviço mas pouco me importo com esse estatuto
enquanto tiver uma nesga de mar só para mim, um quarto com jardim e com flores
que perfumam a noite, e essa infalível terapia da Bola de Berlim, ainda que
devidamente compensada por um reforço da dose de Metformina.
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