Detalhes da minha infância já com estatuto de museu
Em
casa da Tia Maria e do Tio João existia um oratório de madeira com portas de
vidro tapadas por umas cortinas, onde para além de outras pequenas imagens de
santos existia um Menino Jesus assente numa pienha e com um coração na mão
direita; e também um crucifixo quase do mesmo tamanho do oratório.
Sempre
que eu ia àquela casa na Rua de Santa Luzia, pedia para me abrirem a porta e
poder espreitar o Menino Jesus, que só abandonava a pienha e o oratório para
passar algum tempo deitado nas palhinhas durante o período em que o presépio
estava montado.
A
insistência deste pedido para espreitar o Menino levou a Tia Maria a dizer que
um dia ele seria meu.
E
foi.
O
meu irmão que entretanto tinha nascido solicitou justiça e com toda a
legitimidade lembrou:
-
Se o Menino Jesus é do Quim, eu quero o Cristo na cruz.
Mas
foi mais longe:
-
E como o Cristo é maior do que o Menino Jesus, eu levo também a “casinha”.
E
também se cumpriu o desejo na sus vertente dupla.
Um
detalhe importante é que até hoje o Menino Jesus ainda não saiu do oratório
onde também está o Cristo na cruz e todas outras imagens de santos. Achei eu e
o meu irmão que não haveria melhor sítio para os mantermos do que a casa dos
nossos pais, o nosso terreno comum e sagrado.
E
lá estão então agora, com o Menino Jesus a lucrar de vez em quando um novo
vestido por obra e arte da Mãe Inácia.
Esta
história teve no entanto outra consequência: eu comecei a fazer uma colecção de
presépios.
Para
além do gosto de os ter confesso que é um detalhe da minha existência que me
liga inevitavelmente de forma doce à infância feliz que tive e sempre me
proponho prolongar em mim.
Há
já algum tempo que digo ao meu sobrinho João que a colecção é nossa e acho uma
certa graça quando ele faz visitas guiadas aos armários existentes em Vila
Viçosa e conclui sempre com o dedo indicador a tocar no peito:
-
E são todos os meus.
Pois
são, mas alguns deles vão estar a partir deste fim-de-semana em exposição no
Museu de Arte Sacra de Vila Viçosa.
Vão
até lá e espreitem.
Entretanto
e sem que eu me tivesse dado conta, já há detalhes da minha infância que têm
estatuto de museu.
Oh
tempo…
Oh idade…
Comentários
Enviar um comentário