Recusar envelhecer por entre “Nancy’s atómicas” e “Bolo-rei de Adão e Eva”
Desço
a rampa em espiral do El Corte Ingles
de Lisboa, sempre com a sensação de ter sido deglutido por um dinossauro, e não
tarda o momento em que estarei munido da minha carta de compras para poder
escolher presentes de Natal para as pessoas cujo nome consta numa lista que
levo escrita num post-it e que vou riscando à medida que envio “material” para
o piso -4, o sítio aonde mais tarde o irei recolher já embrulhado e
identificado com o nome do destinatário.
Por
entre pisos e subindo e descendo escadas rolantes, apercebo-me que aquele “jogo”
do Menino Jesus que chegava de manhã para nos deixar os presentes no presépio
da casa de Vila Viçosa, não terminou para mim; e que a posição de fornecedor ou
receptor é totalmente indiferente, tal qual a ordem dos factores numa operação
matemática de multiplicação.
Eu
sei que os pisos estão cheios de espelhos que reflectem este meu ar de quase
cinquenta anos, o que no contexto até ganha algum sentido extra pela aparência
de Pai Natal; mas a festa é a de sempre.
Na
secção de brinquedos surpreendo-me com a nova face da Nancy, totalmente
diferente daquela que comprávamos em Badajoz no Simago e que fazia as delícias
das raparigas a quem se destinavam. Sinais dos tempos, a boneca foi ao
cirurgião plástico e estes ofereceram-lhe um rosto mais quadrado e totalmente “esgazeado”.
Uma amiga da minha mãe que há uns tempos resolveu vestir de Nossa Senhora uma
boneca da filha e pô-la num oratório como relicário, com esta já não conseguia
cumprir com os seus intentos tão devotos.
Depois,
eu sofro do mal crónico de não conseguir acertar facilmente com os tamanhos da
roupa, com uma tendência super desagradável para adquirir peças de dimensões
imensas, o que me expõe bastas vezes ao comentário em forma de pergunta:
-
Estás a chamar-me gordo/a?
Desta
vez tive isto em atenção e comprei tudo com números mais baixos, com o
desconforto no entanto de sentir que estou a oferecer roupa que assentará às
pessoas como uma cinta apertada na barriga de uma gorda.
Mais
uma vez tive de fazer conversa sobre um assunto que desconheço, e com o i-phone
e uma mensagem do meu irmão como teleponto, consegui dialogar com um assistente
sobre o “Trash Wheel Playset”, todos excepto o Hambúrguer, sem fazer a mais
pálida ideia do assunto.
Estava
esgotado e terei de ir repetir a representação num “ToysRus” algures aqui por
perto.
Já
quase a terminar achei que o Natal exige um bolo-rei em casa, e mesmo sabendo
que a consoada me levará até ao Alentejo, lá fui comprar um, antes de recolher
as prendas no tal piso -4, ficando a saber que há bolo-rei de maçã…
Desconhecia.
Cheguei
a casa já pelas nove da noite com um “bolo-rei normal” e a lista toda riscada.
E
o que me consegui rir sozinho entre Nancy’s e bolo-rei ao estilo de Adão e Eva…
Envelhecer?
Pois
eu acho que isso é algo que não se quer comigo.
E
não será apenas pela doce persistência do meu pai a tratar-me a mim e ao meu
irmão pelos “meus gaiatos”, ou então por mérito sagrado de algum elixir de
composição secreta que a minha condição de farmacêutico me tenha facultado…
É
a magia de acreditar que o melhor tempo é sempre aquele que temos para viver.
Tenho
saudades das pessoas que me fizeram os Natais passados e que entretanto já
partiram?
Tenho,
e muitas.
Mas
ressuscito essas pessoas colocando-as na forma intensa de viver o Natal
presente com aqueles que entretanto chegaram e que me fazem sorrir.
É
a melhor forma de honrar a sua herança.
Eu
até estou apaixonado e adquiri ontem um presente especial que nos Natais
passados não tive o privilégio de comprar…
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