A inédita arte da reciclagem dos pastéis de nata
Sempre
que o pai lhe levava da Pastelaria o seu bolo favorito, o Pastel de Nata, a
minha amiga Rosa Silvério comia o creme com a ajuda de uma colher e entregava
posteriormente a estrutura restante de massa folhada para que o pai a levasse
de volta ao pasteleiro e ele a voltasse a preencher com a sua iguaria favorita.
Este
inédito processo de reciclagem não se aplica definitivamente aos Pastéis de
Nata, mas aplica-se à vida…
Ontem
cumprimos o prometido e por entre os aromas das flores das laranjeiras de Vila
Viçosa, sentei-me na Pastelaria Azul com a Zézinha, a Manuela, o Zé Maria e o
Manuel; e não fosse o risco de rebentarmos com os agrafos que restam na barriga
da Zézinha e ainda nos tínhamos vingado muito mais a riso e gargalhadas da dor
e das apreensões de há alguns dias.
A
cirurgia foi um sucesso ao ritmo das nossas Ave-Marias e a vida que parecia estar
a esvaziar-se está novamente repleta do maior e mais doce “creme” da melhor
esperança.
E
agora que siga a fé pelo futuro.
Mas
os dias carregam sempre múltiplas faces e entre elas a inevitável dor.
Depois
da Pastelaria Azul descemos à Igreja de Santo António para dar um conforto à
Maria João. O pai partiu e com ele a melhor competência, profissionalismo,
educação e simpatia que conheci a alguém atrás de um balcão.
Naqueles
dias em que interrompia as brincadeiras para ir à loja do Senhor Ramalho compras
linhas, fitas e até forrar botões para que a minha mãe pudesse costurar os
fatos para as suas clientes, guardo do Sr. João Nogueira a melhor colecção de
sorrisos.
Estou
certo de que essa generosidade no sorrir define aqueles que para lá da vida
estão destinados a serem anjos no Céu.
E
assim, o riso e a dor da saudade compuseram a minha Sexta-feira santa que
terminou a caminhar com os meus pais através do silêncio da procissão do
Enterro do Senhor, o lento e compassado caminhar pelas ruas onde só as velas e
os archotes dão luz e onde só as matracas e as marchas fúnebres cortam o silêncio.
Ao
atravessar a Praça nunca sabemos de que lado corre a brisa que nos apaga as
velas e que me fazem puxar dos fósforos estrategicamente colocados num dos
bolsos.
Também
são assim os dias onde a esperança se acende pela fé estrategicamente colocada
no mais íntimo de nós.
A
fé em Deus e sobretudo a fé em nós, a receita para preencher dias ao jeito de pastéis
de nata vazios.
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