Estes dias santos
Não
resisto a abrir a janela do carro ao aroma do campo de Alentejo e primavera e respiro
fundo por impulso de uma infinita saudade.
É
impossível distinguir o que é o quê no privilégio do odor deste momento, mas o
que é certo é que cheguei a casa.
Mais
além, no cimo do monte por onde se estende a seara, há um sobreiro solitário e
meu irmão, que bebe do sol, como eu de ti, a luz, e estende dos seus ramos e
pela sombra, o abraço ao tapete verde de onde já emergem rubras papoilas.
Sorrio
então quase da mesma forma que o farei mais tarde ao chegar a casa e ao colher
do pai e da mãe a magia desses beijos que hoje brilham por entre todos os
cheiros dos bolos da Páscoa, o resultado da visita anual ao livro de receitas
da Tia Maria Teodora, o testamento perfeito que perpetua a festa dos nossos sentidos.
Já
está posta a mesa para o chá…
Por
entre os bolos de sempre coloco o Pão-de-Ló do Mário e brilham assim novos
afectos por entre os afectos eternos.
O
presente cola-se ao passado, somam-se quereres, e isto sim, é viver em
plenitude não rejeitando as bênçãos que são transportadas pelos dias, mesmo
aqueles que às vezes aparentam não ser nada.
É
envolto na amizade e a pretexto do aniversário da Ana Cristina que mais tarde,
e sentado na esplanada do Café Restauração, verei o sol a despedir-se deste dia.
O mesmo sol que beija loucamente os sobreiros na quietude do campo, parte agora
ali para os lados da Rua de Santa Luzia, deixando sobre nós e a envolver a
Praça, o privilégio único de uma intensa luz com a marca do sul.
Esta
é a hora perfeita para estar por ali envolto na conversa que sempre conduz ao
riso, sentindo o cheiro único que está inscrito no ADN de Vila Viçosa: as laranjeiras
em flor.
Agora
sim não me restam mais quaisquer dúvidas de que este é um dia de Páscoa.
Não
tardarei a descer a Corredora a bom passo porque já vou atrasado para o jantar e
não quero deixar arrefecer a Sopa de Cação carregada de coentros que me espera.
Sorrio.
Há
pouco na mesa do café, o Manuel falou que na Vigília Pascal deste ano cantará o
primeiro salmo da sua vida: “A bondade do Senhor”.
Eu
sorrio porque sigo pelo espaço e pelo tempo que serão sempre os primeiros da
minha vida e porque estou envolto nos afectos eternos que tornam perfeitos
todos os dias.
Estes
dias são o salmo da minha vida.
Os
dias santos e os verdadeiros dias da Páscoa.
Sorrio.
E claro que vou pensando em ti.
Comentários
Enviar um comentário