Roma e uma tarde de Abril
O sol, infalível maestro do tempo,
ameaça no horizonte o adeus que traz a noite, e já se sente no rosto uma brisa
fria que de aqui a pouco, e porque sigo a passo rápido, se tornará uma
agradável companheira.
Estou junto ao Coliseu de Roma e
cruzo-me com uma multidão que não tem idade… porque tem todas as idades.
Há o som de múltiplas falas, há
turistas, peregrinos, padres... e uma cidade é eterna quando é assim muito mais
do que um espaço que cruzou a História, e é este interposto universal onde se
cruzam e se fundem vontades e credos.
E igual a Roma poderia ser o mundo
inteiro se nos dispuséssemos a fazê-lo perfeito acolhendo os outros.
Eu sou apenas mais um na multidão, e a
andar depressa porque quero chegar a São Pedro a tempo de ver o pôr-do-sol.
Vou pela fé ao túmulo de Pedro e João
Paulo II com uma mão cheia de intenções que têm nomes de amigos.
E quem caminha pela fé, fá-lo sempre ao
jeito de quem ama... e nunca caminha só.
Quando cruzo o Tibre já tenho a certeza
de que chegarei antes do sol partir.
Eu já sabia que a Basílica estaria
fechada a esta hora e procuro um sítio discreto na praça que está praticamente
vazia de gente e é já um mar de cadeiras na antecâmara das festas da Páscoa.
Encosto-me a uma grade de madeira e
rezo o terço contando as Ave-Marias pelos dedos, interrompendo a determinada
altura porque alguém se aproxima e me pede para lhe fazer uma foto.
O rapaz da mochila chama-se Carlos e
mudamos a conversa do Inglês para o Castelhano na altura em que me diz que é
Mexicano.
Está pela primeira vez em Roma e
agradece-me a foto com um aperto de mão.
A mesma mão que reza e que perpetua
imagens de sorrisos numa câmara de fotos é também expressão de afecto entre
dois solitários e desconhecidos que se cruzam na cidade.
E os gestos são sempre irmãos das
palavras no benefício de matar a solidão.
E pelo potencial dos gestos e de todas
as palavras, qualquer homem sozinho e na aparência de não ter nada, tem afinal consigo
o infinito valor do melhor tesouro.
Continuo a rezar...
Vejo-me por ali a passear com os meus
pais num fim de tarde de Agosto de há três anos, vejo a Avó Dade louca de
contente porque o Papa lhe passou à porta e lhe sorriu, vejo o João e o Luís
que serão baptizados no dia em que João Paulo II será canonizado, penso na
Zézinha, na Maria João e no pai, no Tio Joaquim...
Penso em mim e no que sou, na vida,
nos sonhos, nas vontades, no amor... ali sozinho no privilégio do beijo da
brisa de Roma que é bem mais intensa e fria desde que o sol se pôs.
E não sei se por nada ou se por tudo,
acabo a chorar.
Nem tento esforçar-me por saber porque
choro. As lágrimas mesmo não tendo letras são bem mais fiéis do que as palavras
na expressão dos sentimentos.
E que andem soltos os sentimentos se
esta hora é toda minha e dela não quero rejeitar nem um só pequeno detalhe.
Já é noite quando regresso deixando o
Vaticano para trás, caminhando agora lentamente.
Paro sobre o Tibre e admiro o Castelo
de Sant'Angelo e os seus reflexos na água que corre.
Aqui jaz Adriano…
Assaltam-me à lembrança as palavras de
Yourcenar nas brilhantes memórias do imperador:
“Nunca
perder de vista o gráfico de uma vida humana, que se não compõe, digam o que
disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas
sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem
cessar - o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi.”
Eu hoje sou um homem feliz e que sorri
pelas ruas eternas de Roma.
Por tudo… ou quiçá por nada.
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