As palavras
Indiferente
às condições meteorológicas que poderão ser mais ou menos agrestes, às marés, à
força das ondas, às estações do ano, à posição dos astros, às fases da lua, aos
humores… e sendo muito mais do que apenas duas dúzias de horas oferecidas ao
nosso passivo acto de respirar; os dias são fontes inesgotáveis de palavras.
De
palavras ditas, escritas, cantadas, desenhadas, choradas, soluçadas, subentendidas…
De
palavras e de silêncios, porque estes, porque as não têm, falam tanto ou mais
do que elas.
Os
dias são então nascentes de palavras sublinhadas ou não pela tinta da melhor
verdade, aquela que é dádiva gratuita do espelho generoso que é o olhar.
E
as palavras são assim e tantas vezes, perfumados detalhes tecidos a letras no
tear de uma incessante poesia.
Há
palavras ocas, estéreis, vãs e sem qualquer sentido; ou palavras recheadas do
conteúdo que os gestos e as atitudes sempre lhes oferecem, quando os dias não
as pretendem ver abandonadas nesse famoso orfanato das boas intenções.
Há
palavras eternas porque enraizadas no sentir; e palavras descartáveis nascidas
do bem parecer do socialmente correcto, as palavras que são adorno e fancaria dos
travestidos de carácter.
Há
palavras terapêuticas e que saram feridas; e palavras mortíferas e afiadas como
punhais.
E
nós, privilegiados geradores e emissores de todas essas palavras, temos a opção
de um espectro entre o helicóptero que manda flores sobre uma multidão em
festa, ou o Enola Gay, bombardeiro
B-29 lançando a morte sobre Hiroshima.
Porque
há palavras que florescem de esperança e fazem sorrir os outros; e há palavras que
são bombas bem mais letais que as atómicas, matando friamente os Homens sem direito
a qualquer apelo.
Porque
há palavras como há vida e há morte, amor e ódio, fidelidade e traição, perdão
e rancor, o riso e a dor do choro, um abraço e o esmurrar feroz de alguém…
E
“há palavras que nos beijam como se tivessem boca”, afirmou um dia o poeta de
“A gaivota”, o grande Alexandre O’Neill.
Na
reconhecida e justa reciprocidade, ouso eu acrescentar que há palavras que são
beijos dados por nós sobretudo quando é de amor que se faz o sentir e se
preenche verdadeiramente aquele “espaço” que é o melhor de nós, o “território” a
que chamamos alma e que ingenuamente insistimos em desenhar com a forma de um
rubro coração.
E
há dias como hoje em que um louco com alma vadia de poeta se senta em frente ao
mar, mergulha no privilégio de um azul sem fim e… sente que as palavras se soltam
ao ritmo dos seus inquietos pensamentos.
Para falar de amor e para vos abraçar a todos com um sorriso também
tecido pelas inevitáveis palavras.
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