Esta persistente chuva de Abril
Caem
intensas e são infinitamente muito mais do que apenas mil, as persistentes
gotas da chuva deste estranho mês de Abril.
É
primavera, mas sobre o Tejo, as nuvens invejam do meu olhar, a vontade, e
abraçam despudoradamente a ponte e um velho cacilheiro, móvel ponto laranja na
perseverança da travessia até à bênção do chão de Lisboa.
Eu,
dono de tantas e tão doces lembranças de um Alentejo ao sol pejado de estevas e
giestas, entrego agora os meus passos às calçadas desenhadas da Cidade Branca,
que tal como as veredas do campo, também são minhas.
E
um Homem feliz…
É
um Homem assim como eu percorrendo todos os caminhos que sente como seus, as “ruas”
que lhe são sugeridas pela alma e que são mães e cúmplices de todos os seus
sonhos.
Nesta
manhã, percorro a Avenida com nome e resquícios da festa da Liberdade, e, não
tarda, chegarei ao Rossio, a praça que coroada pelo Carmo e pela Trindade, imbatíveis,
é estrela maior da velha Olisipo e que, pela genética da própria cidade, não caberá
nunca na pequenez de uma qualquer irrelevante “Betesga”.
Há
turistas em romagem à Ginjinha, como se, com ou sem elas, este fosse o código
de acesso ao jeito de ser muito lusitano que por aqui floresce entre a poesia
do Nicola e o aroma das bancas das flores de onde emergem por estes dias os
naturais cravos vermelhos.
Solta-se
a memória…
À
esquina e quase em frente à Camisaria Moderna, vejo-me por ali esperando o
autocarro de dois pisos, o 39, que me levaria a casa, ao Príncipe Real. Na mão,
um cartuxo de papel pardo contendo um quilo de cheirosos morangos maduros, e um
embrulho da Pastelaria Suíça contendo uma “Frigideira de Carne”; se essa era
noite de fazer greve à inevitável solha frita que me esperava para o jantar na
Cantina da Faculdade de Ciências, na Rua da Escola Politécnica.
Passaram
trinta anos sem que quase tivesse dado por isso.
Afinal,
revejo-me eterno nos passos pelas ruas de Lisboa, os caminhos da minha vontade,
e também em tudo o que de mais existe nos sonhos que os ditam dia-a-dia.
Que
vive muito mais quem sonha do que quem apenas respira sem colher do ar o alento
para a sua fé.
Persiste
a chuva de Abril sobre Lisboa e o abraço das nuvens dá ao Tejo um triste tom
cor de cinza inteiramente à mercê da rota dos velhos e novos cacilheiros.
É
primavera.
O
sol…
Persiste
nas minhas eternas memórias do campo e nas tatuadas lembranças do teu olhar,
essas sim as raízes de todos os meus sonhos.
O
sol…
É
eterno no ADN de Lisboa por mais estranho que seja este Abril e a primavera.
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