De farmacêutico e de louco…
Não haja dúvidas da legitimidade
com que me afirmo farmacêutico, situação comprovada aliás pela inscrição há
vinte e três anos na respectiva Ordem, antiga Sociedade Farmacêutica Lusitana.
Das cinquenta cadeiras que no
pré-Bolonha compunham o meu curso, não fiz nenhum exame a um domingo, não
mandei aos professores exames por fax, não tive passagens administrativas dadas
com base na minha experiência associativa, juro-vos que aulas aos sábados só
tive até às 13 horas e nunca para lá de 30 de Junho, que em pequeno muito me
ralava nunca ter a oportunidade de convidar os meus amigos e colegas para o meu
aniversário a 5 de Julho.
Mesmo assim e com todo este
percurso, muito pouca importância terei como mensageiro no que à melhoria da
saúde dos Portugueses possa dizer respeito.
Passo a explicar:
A Catarina Furtado apresenta actualmente
na televisão e em espaços publicitários, uma fórmula mágica que permite a
regulação do peso cuidando em cada uma das semanas dos elementos que derivam
dos reinos todos classificados por Lineu. Na semana da terra e se abusam da
couve, eu imagino o resultado.
O João Baião, o José Carlos
Malato e o Manuel Luís Gouxa, nos seus respectivos programas, apresentam
suplementos vitaminicos que resolvem todos os problemas dos Portugueses,
produtos invariavelmente caros e que só podem ser adquiridos via telefone.
Como se não bastasse termos as
telenovelas, os futebolistas e as “senhoras” que vieram perturbar a paz das
mães de Bragança e de outras capiais de distritito, temos agora uns “Comprimidos
Brasileiros” que prometem pôr as silhuetas de qualquer Portuguesa alinhadas com
as que desfilam no sambódromo em ritmo epiléptico nos dias do Carnaval Carioca.
Nada se sabe da composição destas
fórmulas milagrosas que a notoriedade dos apresentadores e da marca “Brasil”
ajuda a vender, muito mais do que o benefício de qualquer profissional de
saúde.
E depois…
Eu não tenho a silhueta da
Catarina Furtado (e nem ambiciono ter), não tenho a graça do Baião e do Malato
(que até sofreu recentemente um Enfarte do Miocárdio apesar de tanto produto
natural), e tenho óculos e uso casacos muito mais discretos do que os do Gouxa,
então, que vantagem comercial poderia eu acrescentar a semelhantes “milagres em
pastilhas” com os meus atributos exclusivamente cientificos?
Nenhuma.
Também é estranho que na
perspectiva da saúde pública, seja proibido publicitar produtos credíveis e
classificados como tal pelo próprio Estado, e depois andem à solta estas “mistelas”
que podem ter um impacto bem negativo na vida das pessoas.
Mas isso parece que não interessa
nada.
E tudo poderia estar bem e restrito
apenas a este universo mediático, até ao dia em que o meu próprio pai me diz
que já dispensou o anti-fúngico que eu lhe arranjei para tratar uma micose numa
unha do pé, pois a Calista, mulher encartada numa salão de beleza para tratar
dos “calcantes” dos seus semelhantes, lhe vendeu a bom preço um produto natural
muito melhor porque muito mais eficaz.
Mesmo sabendo que ninguém é
profeta na sua terra… e na sua casa, não fosse o apoio que recebi da minha mãe,
que reclama porque o tal produto lhe arrasta para dentro da cama o aroma de dez
cadáveres fechados durante três meses numa mesma casa; e eu nesta altura, por
via da televisão e por via familiar, estaria a contas com uma depressão.
De que me serve ser farmacêutico…
Eu sei, resta-me essa de ser
louco, e eu sou e serei sempre.
Mas bolas… para quem fez o percurso académico todo
como já não se usa, isto custa!
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