O deserto e a tarde pela cidade
Que
deserto maior poderá existir do que a errância de um homem solitário que descrente
abandona os passos à mercê do desconhecido e dessa baixíssima probabilidade de
acerto com o destino e a vontade impostas pela sua alma desassossegada.
E
o oásis que nunca chega na sorte que alinha a vida com este sonho tão nosso que
a alma sempre encerra, e é inerente à condição de estar vivo e ser pessoa…
Há
pombos que esvoaçam em bando rasgando a maresia, essa fresca brisa que empurra
a gente para o interior aquecido do café onde o tilintar das chávenas e o ruído
das vozes patrocinam uma estranha e desacertada sinfonia.
O
balcão corrido é a companhia disponível para os solitários, os que não irão
jamais temperar de palavras o quente sabor da bica, os que ficam ainda mais
tristes no instante em que se voltam para a parede, viram costas à algaraviada
das mesas onde borbulha o calor dos afectos, e ficam expostos e à mercê da
antipática mulher desprovida de sorrisos que mais parece uma impessoal máquina
de transportar chávenas… e fazer trocos.
Restam
os pensamentos para acompanhar a bica.
E
resta o amor, que amor mais perfeito não pode existir do que o do homem
solitário, aquele amor que existe pela força da vontade e do querer, o amor que
até pode nascer da genética de uma pura ilusão, mas que por ser desprovido de
nome, rosto ou outros mundanos detalhes… e quiçá defeitos, não vê beliscada a
divina condição que o faz eternamente perfeito.
Por
muito próxima que a concretização se aproxime da nossa vontade, a forma asfixia
e reduz a dimensão enorme que um sonho sempre encerra em si mesmo.
Assentou
bem o café ao homem que se devolve às calçadas da cidade e que agora quase
inexplicavelmente consegue sorrir.
Os
passos ainda seguem errantes…
Os
pombos continuam a esvoaçar loucos por sobre a sua cabeça…
Persiste
um certo sabor a deserto neste seu solitário passeio pelo domingo da cidade…
Mas
faz-se oásis, a sorte que pelo amor mata a solidão e a substitui pela mais
legítima esperança.
Afinal
já é quase noite e o nascer do sol em breve trará um novo dia, e quiçá seja
amanhã… o tal dia.
É
sempre pela fé nos sonhos que seguimos, qual coração a bombear sangue pela vida
que não pára.
E
sorrimos.
Até
mesmo quando não acontece nada e em verdadeiro estado de auto-suficiência
deixamos que tudo aconteça na intimidade tão secreta de nós próprios.
Bastamos
nós, pela força do pensamento e pela fé no amor, para que se prepare a alquimia
doce de acreditar que um dia...
A bica às vezes dá uma ajuda.
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