Existirão dias que sepultam as palavras de amor?
Há
sempre um dia em que o poeta desce do onírico estado da sua paixão e, nem que
por segundos apenas e devolvendo-se à sua banal condição de Homem, descobre por
uma racional lucidez, que as palavras que teceu a partir da alma e às quais
ofereceu um intenso aroma de flores, jazem no despejo, na sarjeta da
indiferença do destinatário do seu amor.
Até
pode chorar então o poeta, despudorada criatura que travões não sabe assumidamente
colocar sobre todos os gritos e sobre a dor que o seu ser lhe impõe.
E
no regresso inevitável à sua natureza de crónico sonhador, quantas vezes o
poeta recicla o “lixo” que encontrou no hiato em que foi apenas Homem, e solta
novas palavras, novos poemas, tão-só por acreditar que a dor de ontem jamais
existiu e é assim uma banal mentira.
É
a recaída crónica do poeta, patético e ridículo na inveterada miopia racional
de vislumbrar que a sua fé assenta no delírio de confundir, ver e sentir
incenso, naquilo que é afinal o pérfido e asqueroso aroma do real e efectivo esterco
a que devota tanto amor.
Porque
o poeta é aquele que ama, e quem ama vê tudo o que deseja e muito quer… até
mesmo onde nada existe.
Ou
então onde existe apenas tudo aquilo que a vida tem de pior.
Mas
de dor em dor, e pela intensidade com que dói a indiferença, até o poeta
consegue um dia calar e matar este seu amor.
Apaga
as palavras?
Deixa
secar-se por dentro?
Renega
a fé e devolve-se à condição de apenas Homem?
Não.
Jamais.
Com
a morte da sua natureza morreria o próprio poeta.
Por
isso sobrevivem as palavras…
Continua
a borbulhar por dentro a fonte incessante de todos os sentimentos…
Persiste
a fé e sobrevive o poeta.
Apenas
deixou que o sol levasse de vez num ocaso, todos os despojos de um velho amor,
trazendo consigo reluzente no brilho de uma nova manhã que sorri a oriente, a
perfeição de um novo, intenso e muito secreto amor.
Nessa
manhã, e mais do que nunca, soltará o poeta ao sol todas as palavras, nem que
para isso tenha de rasgar as nuvens.
E as palavras dos poetas cheiram sempre a rosas.
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