Esse tempo magnífico escondido por detrás das Azedas
O
sábado não falhou e revelou-me ao longe o Atlântico no seu infinito tom de azul
numa alinhada rima com um céu sem quaisquer nuvens, logo que pela manhã
espreitei à janela.
Depois
de tantos dias a chorar, este Janeiro afinal também sabe sorrir, não colocando
entraves ao brilho intenso do sol e revelando no imenso campo verde à frente de
casa, milhões de pontos amarelos, que nem necessito aproximar-me muito para
concluir que de um enormíssimo tapete de Azedas afinal se trata.
Não
fosse cá por coisas e atravessaria de bom grado a estrada para colher uma ou
duas e me regalar com o sabor avinagrado que elas nos oferecem sempre que por
esta altura caminhamos pelo campo.
Um
dia destes, nos tempos mais próximos, não resistirei e irei até lá provar as
Azedas.
Mas
hoje tenho almoço em família e há que fazer as últimas compras.
Vou
até ao Centro Comercial, e de repente vejo-me numa fila virada para um cubo
gigante de acrílico que oculta um robot super inteligente que vende cápsulas de
café e onde falamos para uma máquina que eu não desdenharia ter em Vila Viçosa
quando brincava com os meus amigos ao Espaço 1999 e quando tínhamos apenas uma
velha máquina de escrever e uma calculadora da Texas Instruments que fazia as operações básicas e que nos surpreendia
por não se enganar a somar.
À
minha frente há um homem em fato de treino que discute a vez e a prioridade com
uma mulher, perdendo os dois mais tempo na troca de argumentos do que aquele
que seria necessário para os dois fazerem as suas respectivas compras.
Nisto
de filas e de compras nem vale a pena discutir com elas e este homem já deveria
saber isso.
A
mulher comprou primeiro.
Atrás
de mim tenho outra mulher, uma daquelas que tentam sempre ultrapassar-nos
começando por se pôr ao nosso lado para ver se nos apanham distraídos e ganham
vantagem na fila.
Começa
a enervar-me e… 2 – 0 para as mulheres naquela fila é coisa que não me agrada.
Contra-ataco
então: dou um passo ligeiramente à frente e qual Rambo abro as minhas pernas e
fico em pose de porteiro de discoteca de pernas abertas e braços cruzados à
frente da minha “adversária” de quem sinto a respiração aqui pelas orelhas
quando em bicos de pés tenta ver o que estará a acontecer para lá das minhas
costas.
Nem
imagino os nomes feios que me terá chamado mas o resultado foi mesmo de 1 – 1 pois
eu comprei as minhas cápsulas antes dela que por lá ficou com um perfume tão activo
que quase me ia derrotando em acção de ataque químico.
E
depois desta “guerra” e deste cansaço, tive de me sentar eu num café e
oferecer-me a tal meia hora de descontracção de sábado que é a primeira revisão
do caderno 1 do Expresso.
Nas
páginas 2 e 3 uma entrevista brilhante a um dos pensadores do nosso tempo que
eu mais admiro, o Padre José Tolentino Mendonça.
Leio:
“Os
anos da juventude, da vida mais activa, são vividos na euforia da conquista do
definitivo, e depois percebe-se numa idade mais avançada que a vida está
inacabada. Porque a vida é um projecto que não se realiza só por fora. Também
precisa de se encontrar por dentro”.
Estou
muito mais calmo e descontraído quando me devolvo ao carro e por ele ao caminho
que me trará de volta a casa.
Do
lado direito da minha estrada, lá estão elas, lindas e mais do que nunca
apelativas… as Azedas.
Um
dia não vou mesmo resistir e vou colher umas quantas…
Não
só por saudade.
É
que por detrás das Azedas há afinal essa doce essência de ser do campo, e não
importa se estou numa perspectiva de dentro ou de fora, mas a plena realização
só a conseguirei no momento em que me devolver aos dias que não tenham mais nada
entre mim e o tempo, todo o tempo.
Os
meus dias simples, os dias do campo.
Tudo o mais importa muito pouco e tem a ridícula importância de
discussões estéreis e tolas em frente de um cubo de acrílico no corredor de um
Centro Comercial.
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