A genética perseverante do diospireiro
O
que será que liga os elementos de um conjunto de objectos formado por uma Barbie, uma pequena vara cortada de um
diospireiro, uma T-shirt amarela, algumas fotografias tiradas maioritariamente
nos anos oitenta do Século XX, e um casaco colorido comprado em Lisboa, nos Porfírios, no final dos anos setenta
desse mesmo século?
Aparentemente
muito pouco ou até mesmo nada, até ao dia de ontem quando nos sentámos à volta
da comemoração do meu 48º aniversário e levámos connosco objectos que nos
permitissem soltar a memória e contar uma pequena história.
Uma
história, um pedaço, um detalhe da amizade que tem tantos anos quanto nós, e
sempre, no inevitável Alentejo.
Nós,
os filhos desta terra de horizontes fartos, sabemos que a magia chega sempre no
fim das tardes de verão, quando procuramos a brisa por entre as árvores e nos
alimentamos de todos os aromas que ela foi recolhendo no seu abençoado varrer
da planície.
E
em Vila Viçosa, com o conforto do olhar dos amigos e com o ar das laranjeiras nosso
cúmplice e irmão, esta é a hora em que mais nos sentimos em casa.
Ontem
voltou a ser assim.
Três
gerações, um bolo de aniversário a servir de pretexto, e um mar de palavras
tecendo muitas histórias.
Entre
uma história e outra, às vezes uma emoção pela saudade de quem já não está, mas
essencialmente muito riso, porque o que guardamos da nossa história é muito bom,
e porque as gargalhadas fazem-nos bem à cútis e à alma, sendo bênçãos a
crepitar deste fogo de incontáveis cumplicidades.
E
os objectos?
O
casaco que tem quase todas as cores do arco-íris, para além de ter dado uma
notoriedade elevadíssima à Zinha num tempo em que nós tínhamos acesso a roupa
muito monocromática comprada na Feira dos Santos de Borba, é um símbolo da
nossa geração: nenhuma “cor” é desprezível num todo que é tanto mais rico
quanto mais “cores” tiver; a camisola amarela unia-nos num grupo em crescíamos vivenciando
e partilhando a fé, em Deus e em nós, nós os verdadeiros “filhos da madrugada”;
as fotografias têm-nos a todos a cantar o Patchouli, a imitar a Filipa
Vacondeus… e muito mais magros e quase só reconhecíveis pelos sonhos que ainda
hoje nos caracterizam; a Barbie que a
Marta levou para relembrar que um dia me chamou “amigo viajador”, muito mais do
que o objecto ícone de uma certa opulência de vida de princesa, é um brinquedo
que conta as heranças que fomos passando à geração que se seguiu a nós e que hoje
consegue rir connosco…
E
o pau do diospireiro?
Mesmo
não tendo folhas, esta árvore dá sempre fruto e é generosa a fazê-lo. E sobre a
aparência da sua pobreza vai renascendo todos os anos e dando frutos.
Assim
somos nós perante aquelas “partidas” que a vida vai pregando.
Persistimos
nos “frutos”, na amizade… e nas gargalhadas.
E
sabemos que somos muito mais fortes porque nos temos sempre uns aos outros, e porque
de vez em quando temos este benefício único de nos juntarmos assim “colhendo” o
beijo da brisa perfeita que corre nos fins da tarde da nossa terra.
Um
Homem rico é aquele que tem amigos, e a amizade quando o é de verdade, é eterna
como os diamantes e é factor multiplicador de sorrisos à medida que os anos vão
passando.
E
também nunca deixaremos que as gargalhadas se apaguem.
Venham
então mais bolos de aniversário que nós não os tememos.
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