Eu, “cabra”, me confesso
É a hora
do almoço e as televisões estão em directo. Há dois casais por entre as brumas
da república e da monarquia, que avançam em direcção à opulência rococó do
palácio ao gosto de D. Maria I de Portugal; e os cavalos de alta escola
enfeitam os jardins fronteiros à fachada de Queluz, saltitando algures entre o
buxo e as fontes de pedra.
Vantagem
da monarquia em jovialidade e capacidade motora, que esta república vai a
arrastar as ancas muito alargadas pela opulência, e vai coxa e com uns artelhos
visivelmente inchados e estragados pelo tempo.
As
câmaras de televisão seguem o lento caminhar dos dois líderes ibéricos e suas
respectivas damas, e deixam que espreitemos inadvertidamente para as portas de
madeira que dão acesso ao edifício que albergou a nossa monarca quando foi
atacada de uma muito desagradável loucura. A cor verde das portas há muito
desbotou e a madeira desfaz-se em ripas que caem ressequidas na varanda.
Para além
de me questionar se existirá uma recorrência na sina de Queluz que atravessa
monarquia e república, mas que persiste no albergar de loucos, ocorre-me à
memória a série “Gente fina é outra coisa” que andou pela nossa televisão no
inicio dos anos oitenta.
Uma
família de elevados pergaminhos e baixíssimos recursos decide alugar quartos no
seu palacete onde até já faltam alguns degraus na fantástica escadaria de
madeira.
Por
aqui, como no palácio dos “Penha Leredo e Solomón Bentorrado Corvelins”, vai
difícil o orçamento da república.
Já não
vemos mais nada do que se passa no banquete mas sabemos mais tarde, já à noite,
que a monarquia falou do drama do desemprego no espaço europeu onde os dois
países ibéricos se inserem; e a república, muito mais pertinente, referiu que
nunca existiu tanta interacção entre os dois países, pois é ver o número de
Espanhóis que nos visitam e o número de Portugueses que rumam de férias para
Espanha.
A
república sempre com aquele mesmo ar desprovido de emoção com que na semana
passada leu o elogio de Sophia à porta do Panteão ao jeito de quem lê a bula de
um medicamento.
Também me
dá a sensação de que a república andou a passear por Lisboa na tarde da última
sexta-feira santa, que se tem encontrado com muitos Espanhóis no pronto-a-comer
que frequenta habitualmente na Praia da Coelha, ou então que tem recebido
muitos postais ilustrados de funcionárias do Possolo que foram de férias para
Isla Antilla.
E os
desempregados?
À mesa
não devem abordar-se assuntos desagradáveis ainda que efectivamente “reais”.
Reza a
história que após mais umas voltas pela cidade, a monarquia regressou ao seu
reino e a república se quedou por cá.
Declaração
pessoal de interesses: sou republicano convicto.
Por muito
joviais que sejam os reis e arrastadas as ancas da república, gosto de ter uma
palavra a dizer na hora de escolher quem lidera o meu país.
Mas esta
república vai mal, e tão mal que até um republicano a vê perder em imagem e
conteúdo para a monarquia.
Na série
de TV que já referi existia uma cabra de nome Ludovina, que circulava
livremente pela casa e era a salvaguarda para a existência de leite ao
pequeno-almoço dos Solomón Bentorrado.
Ora eu,
cabra de IRS e demais impostos em dia, berro desde aqui:
- Por
favor salvem e limpem-me a república!
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