Mãe coragem?
Olho
as capas dos jornais e vejo uma mãe que corre com o filho nos braços sob o céu
de fogo que Israel semeou na Faixa de Gaza.
Ocorre-me
à lembrança a manhã de domingo, quando na esplanada de um café de Vila Viçosa,
uma amiga de sempre não consegue controlar as lágrimas que são tão crónicas nos
seus dias quanto a dor eterna pela ausência do filho. Falamos de poesia porque
é por aí que ela vai semeando flores sobre momentos com um triste sabor a
deserto.
Penso
na mulher que ainda há dias na consulta externa de Pediatria no Hospital de
Santa Maria ajeitava a filha na cadeira de rodas, lhe dava beijos por todo o
rosto, e lhe dizia palavras bonitas, ao mesmo tempo que com os gestos mais
carinhosos do planeta, lhe ajeitava os tubos que a ligavam à cadeira e a
deixavam respirar.
Hoje,
as mães coragem ainda são em tudo parecidas com a de Bertold Brecht, puxando a carroça
com as débeis forças do seu corpo envelhecido pelos anos e pelo cansaço, e
arrastando com ela as dores da morte dos seus filhos, até a da sua filha que
sendo muda e não dispondo das palavras como arma, instiga à revolução com o
toque de um tambor.
Passei
ontem na banca dos jornais e vi à venda um livro dedicado à mãe do Cristiano
Ronaldo, D. Dolores Aveiro, com o título “Mãe coragem”.
Com
todo o respeito pela história da senhora que pode até estar inundada de rasgos
de coragem, com independência em relação à carreira do filho, do qual até sou
fã, e sabendo eu que nem todas as histórias de coragem têm de forçosamente
acabar em lágrimas e "carroças", podendo acabar com sucesso, camisolas de tigress, bonés da Nike com incrustações
de pérolas e carros de alta cilindrada…
Coragem
para mim ainda é outra coisa.
E
o sobrenome de coragem assenta muito melhor à frente do nome de muitas mães com
quem nos vamos cruzando na rua todos os dias e de quem muito possivelmente nunca
conheceremos os nomes.
Não
banalizemos conceitos e não assumamos que todos somos iguais, afinal, e como
afirmava o fantástico dramaturgo alemão na peça que já referi, “Mãe coragem”:
“Há homens que lutam um
dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida, e estes são os imprescindíveis.”
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