A luta continua…
O
Homem é um ser competitivo e não há território que esteja isento de luta;
reconheço-o desde que assistia às discussões entre as minhas tias-avós Maria e
Joaquina relativamente ao estatuto de mais doente.
-
Toda a semana me tem doído um dedo.
-
Um dedo… A mim há meses que me dói um braço.
E
aprendi desde cedo que a vida é uma competição…
Ainda
na Escola Secundária de Vila Viçosa, e porque no 11º Ano e na disciplina de
Socorrismo, tanto eu como os meus dois competidores para o título de melhor
aluno, tínhamos vinte; disputávamos quem é que conseguia o vinte em menos
tempo.
E
um dia quando o primeiro acabou e o comunicou a toda a turma:
-
Já acabei!
Ouviu-se:
-
Puxa o autoclismo.
E
hoje…
Assistimos
quase diariamente às disputas entre pais ou entre avós relativamente às
performances escolares dos filhos ou netos naquilo que parece a eleição do Mr.
Einstein 2015; as mulheres competem relativamente à eficácia dos drenantes e
outros produtos dietéticos que utilizam, dos efeitos dos cremes anti-estrias, disputam
as roupas, as marcas das carteiras, as unhas de gel, o cabeleireiro… e até a
simpatia e profissionalismo do ginecologista; as crianças fazem campeonatos
informais sobre os brinquedos, as idas à Eurodisney, as festas de aniversário e
os jogos da playstation; os povoadores
de sacristia sobre a autoproclamada santidade que esmaga desde logo a devida
humildade de um crente; os vizinhos dos prédios disputam o mês e o ano das
matrículas das viaturas, para além das raças dos cães que passeiam de manhã, em
roupão e entre remelas; as “bichas” discutem a qualidade do hotel em que
ficaram alojados na Gran Canária durante o verão passado, para além do jeito
especial para cozinharem Bacalhau Espiritual; os condutores competem por um
lugar mais à frente na fila da ponte; os homens frequentadores de ginásio
competem pela expressão dos seus músculos, e nos balneários e de forma
informal, sobre outras inevitabilidades genéticos que se expressam em centímetros;
os condóminos utilizam as reuniões para elegerem a habitante do prédio com
estatuto de “mais badalhoca”; os supermercados competem supostamente pelo
preço; os políticos disputam os votos pelos outdoors
onde até é possível observar cartazes bilingues do Bloco de Esquerda em Alemão
e Português, ou cartazes do Partido Socialista com a palavra “Confiança”, a
lembrar-nos que há gente que nem “com fiança” consegue estar fora da prisão e
ir a votos…
Ontem
ao princípio da tarde partilhei elevador num edifício de Lisboa com dois indivíduos
que disputavam as performances dos carros. A métrica era a aceleração na subida
de Monsanto na A5. A minha presença ainda os espicaçou mais e quase vi jeitos
de ter de intervir como árbitro de boxe. Quando a porta se abriu e saí antes
deles fiquei claramente que ainda se iam pegar ao estalo.
Depois
de me ter sentado numa esplanada e ter disputado o lugar na mesa com um casal,
tomei um café e tomei estas notas.
A
luta continua…
Ah… é verdade, no 11º ano fui eu que consegui o prémio para o melhor
aluno uns meses depois de ter mandado puxar o autoclismo.
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