Rebuçados mágicos à minha escala de Harry Potter genérico em versão Alentejana
O
meu avô Francisco era carpinteiro e trabalhava numa casa grande pintada de
amarelo que ficava mesmo ao lado dos silos, dentro da cerca da SOFAL e junto ao
antigo Convento de São Paulo, também ele convertido num polo desta unidade
fabril, enorme para a dimensão de Vila Viçosa.
As
buzinas da fábrica tocavam sempre à hora certa e faziam-nos dispensar os
relógios, sobretudo quando eu atravessava o Rossio de mão dada com a avó
Natividade para irmos levar o almoço que o avô comia no tempo da pausa que lhe
correspondia.
Sentávamo-nos
numa pequena mesa, obviamente de madeira, e fazíamos-lhe companhia, voltando
depois a casa onde então almoçávamos os dois.
Enquanto
o avô comia, eu recolhia aparas e pedaços de madeira com que depois brincava
durante a tarde, delimitando com eles os arruamentos perfeitos para os meus
carrinhos miniatura da Matchbox,
sobretudo para o meu preferido, um Opel descapotável de cor amarela. Pedaços de
madeira melhores do que peças originais da Lego, porque estes tinham a
capacidade de assumir todas as cores que eu lhe queria dar, aquelas que eu
necessitava para a construção da minha cidade inventada.
Às
vezes, quando era inverno, recolhíamos também aparas que depois usávamos para
melhor acender as braseiras de picão que nos iriam aquecer a casa durante o
jantar e o serão.
Sempre
que necessário, e quando deixávamos o avô já com o almoço tomado, passávamos na
mercearia onde se aviavam os funcionários da fábrica.
Não
ficava longe da carpintaria.
O
senhor que nos atendia tinha uma perna de pau e eu nunca conseguia deixar de me
lembrar da Pipi das Meias Altas e dos seus amigos piratas; achando curioso que
o final da perna tivesse uma borracha que ajudava à aderência mas que
definitivamente escondia o ruído da mesma sobre o solo.
Eu
achava que ele era um personagem de um conto fantástico com superpoderes na
minha cidade inventada.
Havia
ainda uma senhora muito loura que estava sentada no cimo de uma espécie de púlpito
de madeira e que nos fazia as contas com uns números quase desenhados e muito
alinhados.
Vendiam
produtos da fábrica, como o azeite em latas e a farinha em sacos de plástico
transparente; e não só, pois tinham todos os outros produtos que também
existiam numa vulgar mercearia.
Tanto
o senhor da perna de pau quanto a senhora loura eram de uma grande simpatia e
no final das compras e das contas, ele oferecia-me sempre um par de rebuçados
que eu guardava no bolso perante a recomendação da avó:
-
Guarda para depois do almoço.
Eram
rebuçados mágicos à minha escala de Harry
Potter genérico em versão Alentejana.
Em
dois dias consecutivos, o meu amigo José Maria resolveu desenhar o que resta da
fábrica em completa ruína após a sua falência no início dos anos oitenta, e o
meu irmão enviou-me a foto de uma lata de azeite da SOFAL, a Sociedade Fabril
Alentejana, que descobriu algures num restaurante em Lisboa.
O desenho das casas e a imagem da lata com a imagem da estátua de D.
João IV no Terreiro de Paço de Vila Viçosa deram o mote, e a memória fez o
resto para que estas palavras se alinhassem.
Comentários
Enviar um comentário