Planetas em trânsito e adultérios anunciados à mesa da Bénard
Um chá e uma torrada na Bénard cumprindo a
ambição de um lanche tranquilo que se esvai rapidamente quando descobrimos que
na mesa ao lado da nossa está a decorrer uma consulta de astrologia.
E se a senhora consultada fala baixo, o
astrólogo projecta a voz ao jeito de um actor num teatro romano, para que todos
escutemos a sua opinião sobre os mais variados assuntos, quase todos ao redor
da vida íntima da sua interlocutora.
É impossível não ir seguindo a conversa alheia,
facto que me deixa perfeitamente à vontade e sem temor perante uma possível
acusação de deficit de educação da
minha parte.
"Eu falo alto nos locais públicos porque
com dois anos de programas de rádio a colocação e o volume da minha voz já
estão incontroláveis"
É uma pena que a voz se tenha associado ao
cérebro no descontrolo de volume e colocação, se bem que no que toca ao volume
do dito, e ao contrário da voz, o problema seja claramente por defeito.
E quem paga com tudo isto sou eu, é o meu chá
e a minha torrada.
"Eu adoro incomodar as pessoas
inteligentes. Já afrontei os astrónomos todos deste país e já dei resposta
pública a alguns no Correio da Manhã"
A referência ao nome do jornal era
perfeitamente dispensável.
Em relação ao incómodo, não é líquido que o
inverso seja verdade e eu nem sequer sou astrónomo, mas dado que estou tão
incomodado com o senhor, é bem possível que eu não seja completamente burro.
“Sou intolerante perante as pessoas que não
crêem em Deus”.
E Deus deve apreciar imenso essa atitude.
E se assumirmos que Deus revela o futuro a
algumas criaturas, eu acredito mesmo que Ele escolha este ser anoréctico
montado num casaco colorido que parece um genérico dos do Manuel Luís Goucha.
"Nestes dias do final de Fevereiro
prepare-se porque a sua vida vai mudar. Saturno e Vénus estão em trânsito (não
sei se perdidos na A5 de onde vim), e essa mudança até pode implicar um novo
companheiro"
“Ai que bom”, responde a mulher pedindo a
repetição das datas em que tudo irá acontecer.
E perante o anunciado adultério a mulher
sempre vai dizendo baixinho que o marido é esquizofrénico.
Pois...
Não vá o astrólogo ter razão e ela tenha de
se justificar nalguns fóruns sociais. Assim já vai treinando.
Eu não sei de que doença do foro psiquiátrico
ela padece, mas aqui assim sentada com este “cromo” e a dar-lhe ouvidos, não é
de estranhar que a esquizofrenia possa ser também uma realidade.
“São
... Euros, mas veja lá se fica incomodada. Veja lá. Veja lá”.
O
“valentão” só diz baixinho o que eu queria ouvir e que era o valor da consulta.
Mas a avaliar pela insistência na questão sobre o possível incómodo, eu deduzo
que o preço não seja acessível.
Mas
a senhora ainda lhe paga mais qualquer coisa; o anúncio de um adultério é coisa
muito cara.
Com
a torrada e o chá já consumidos, eu pago e saio da Bénard um pouco antes do
estranho “casal”.
Na
rua há um homem que desenha imagens de Fernando Pessoa e me questiona:
-
O cavalheiro não quer levar o Fernando Pessoa para casa?
Hoje
não mais para além dos muitos livros com poemas que por lá tenho.
E
que sendo ele dado também a astrologia…
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