Pela vida que me dás tu merecias uma espera de mil anos


Espero por ti debaixo das árvores do Camões despidas pelo inverno.
Encosto-me ao varandim que mira a Rua das Flores, e sinto sem qualquer tom de tragédia, que a hora inteira que tenho de esperar por ti, é tempo ganho. Esta hora é já parte integrante do abraço da tua chegada, e prolonga-o assim, como quem estende o mais que pode, o saborear intenso de um doce perfeito.
Há gente sentada na esplanada do Quiosque dos Refrescos que hoje só parece vender chá quente; que muito fresco vai o entardecer depois do sol ter deixado de debruar a laranja a nesga do Castelo que consigo espreitar para lá da Rua Garrett.
É desse mesmo lado que depois vejo chegar a lua, primeiro de um modo tímido, e depois intenso sob o céu onde algumas nuvens insistem em “calar” as estrelas.
Não resisto e tiro uma foto.
Ouço a gente e as vozes de muitas línguas, o passo do eléctrico nas calhas metálicas assentes sobre o asfalto, os sinos que chamam para a missa, a buzina dos impacientes na transfiguração verde de um semáforo… e assobio mesmo com o frio a tolher-me ligeiramente os músculos da face.
Mãos nos bolsos do sobretudo, e o assobio é o canto alegre dos solitários que só o são na sua aparência.
Depois tu chegas e eu fecho finalmente os braços apertando-te a mim, como se todo o meu corpo fizesse questão de entregar-se ao teu, mimetizando o que a alma há muito já sente.
Gosto do teu cheiro.
O nosso abraço abriu-me a porta de casa e o caminhar contigo sob as árvores despidas dos Camões, e do Chiado, é agora um perfeito momento de intimidade num sofá daqueles que têm vista para o perfeito que elegemos como o nosso destino.
E quando as nossas mãos se encontram algures pelo caminho, quando as palavras que trocamos são sinónimos de querer, e quando os nossos olhares se despem de preconceitos e se entregam não renegando jamais um desejo imenso; a lua já vai alta, seguem os ruídos pelo Chiado, passa por nós o eléctrico 28, e eu sinto que foi tão curta a hora em que esperei por ti…
Pela vida que me dás tu merecias uma espera de mil anos. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM

Nossa Senhora das Descobertas

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES