A tomada do tempo segundo os heróis da Livraria Escolar
Os dias pareciam maiores nesses verões de Vila Viçosa
porque não existia tempo que não fosse nosso.
Nem a televisão nos tomava minutos ou nos prendia, a
não ser nos serões especiais dos Jogos sem Fronteiras.
Vivíamos de portas abertas e o ar circulava connosco
nos corredores das casas entrando pela porta da rua e saindo pela do quintal,
ou vice-versa.
Tu chegavas sempre no verão e ias ter connosco à
Livraria Escolar da D. Joana Ruivo para juntos tomarmos a Corredora ali no
passeio entre a loja do Senhor Domingos e o Café do Senhor Cândido.
Conhecíamos toda a gente e até os donos dos poucos
carros que passavam. Já sabíamos a que horas chegavam os jornais da tarde à
papelaria do Senhor Tibério e também quem passava por ali todos os dias para ir
ler "A capital" na Sociedade Artística. Sabíamos que as "Manas
Catatuas" chegavam sempre em Agosto para subirem a rua de braço dado, e a
não ser que a sirene dos bombeiros nos desinquietasse a tarde, até a
previsibilidade acrescentava tempo aos nossos dias.
Depois crescemos e um dia trocámos: eu vim viver para
Lisboa e tu para o Alentejo. Fomo-nos vendo ocasionalmente quando os dias já
eram muito mais curtos pela intensidade com que os vivíamos.
E as palavras... as mesmas dos livros da D. Joana
voltaram a juntar-nos quase diariamente à sombra do Pomar das Laranjeiras. Tu
és das leitoras mais assíduas das minhas partilhas.
Inexplicavelmente parece que não passaram por nós
algumas décadas porque de cada vez que nos encontramos é como se eu ainda
estivesse com o João Paulo e o Pedro atrás do balcão da Livraria e tu chegasses
a sorrir cruzando uma das duas portas pintadas de vermelho, as portas que no
verão estavam sempre abertas.
Tu cumpres hoje cinquenta anos, o João Paulo na
próxima Sexta-feira e eu lá mais para o ano que vem.
Na vertigem destes anos pensarás por certo como eu que
estamos demasiado longe de nos sentirmos com a idade de meio século; e sentimos
isso pelo infinito que ainda queremos viver e pela intensidade com que o
sonhamos...
Tomando o tempo todo para nós, tal qual nas tardes
quentes da Corredora que só terminavam quando uma das mães nos chamava à janela
para lembrar que chegara a hora do jantar.
Lena, muitos parabéns.
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