Big Brother Vip
Há
muitos anos, quando a TVI ainda era um projecto que sonhava ter inspiração
cristã, a Teresa Guilherme permanecia como uma forma desconhecida de poluição
sonora e os confessionários eram locais onde as pessoas se ajoelhavam perante o
padre e não perante Portugal inteiro, o olho do “Grande Irmão” existia apenas
na velada e insistente bisbilhotice exercida ao nível das vizinhanças, sempre
tão atentas a ruídos e movimentações estranhas que rapidamente se convertiam no
mote para uma boa conversa na mercearia ou no lavadouro público, quantas vezes despoletando
esse requintado processo de alta criatividade que é designado por boato.
Com
o Tony Carreira ainda a jogar ao berlinde na sua “aldeia perdida na Beira”, o
José Castelo Branco a brincar com as Nancy’s divertindo-se a roubar o baton da
mala da mãe e a Marta Leite de Castro sem sonhar sequer com a alta rotatividade
da sua mudança semanal de “encostos” afectivos, as pessoas importantes
situavam-se ao nível da rua, da vila ou da escola onde vivíamos.
E
sem querer e sem que tivéssemos disso uma clara noção, nós vivíamos no contexto
de um saudável Big Brother Vip em que
as expulsões eram maioritariamente ditadas pelos afectos ou então pela ausência
deles.
A
prova maior desta nossa recíproca atribuição do estatuto de VIP na altura da
nossa adolescência e juventude e no contexto das nossas simples relações ficava
registada num fenómeno que é hoje apenas uma memória: os livros de autógrafos.
Inventados
para que neles preservássemos as palavras, os nomes e as assinaturas das
pessoas importantes, estes pequeníssimos livros de capas rijas e folhas
brancas, eram utilizados como álbuns de imagens feitas de palavras e em que
cada página tinha como destinatário, um dos amigos das nossas relações mais
próximas.
Sempre
com grandes declarações de amizade e o propósito de a prolongar indefinidamente
no tempo, como a criatividade por vezes não abundava, era frequente ter de
recorrer a um conjunto de quadras que toda a gente conhecia.
Havia
as quadras de toque ingénuo:
Ainda
ontem vi a Maria
Num carrinho
de bebé
Tinha a cara
toda suja
Da papinha
Nestlé.
E
havia quem ousasse e rondasse pela brejeirice, mas sempre numa escala
facilmente tolerada:
No
dia do teu casamento
Vai haver
grande bailarico
Que até
debaixo da cama
Irá bailar o
penico.
Faziam-se
uns bonecos, colocava-se a data e os inevitáveis beijinhos… e o livro seguia de
mão em mão, sendo considerado privilégio e prova de amizade, um pedido para um “autógrafo”.
Saudável
“Big Bother Vip” em que todos participámos no âmbito das relações próximas que
são ditadas e estabelecidas pelo coração de cada um.
Sem
cachet para a demonstração pública de quaisquer promíscuas imbecilidades.
Não
sei se ainda existirão livros de autógrafos mas suponho que se existirem seja
para registar as assinaturas dadas a correr por algumas estrelas do music hall luso ou então aqueles famosos
fabricados pela televisão e que se cruzam connosco nos corredores das
discotecas que lhes pagam principescamente para aparecerem por lá.
São
outros tempos e que até não são maus de todo pois possibilitam-me serões na
companhia das boas séries do AXN e da Fox, para além, é claro, de muitas
oportunidades para buscar memórias e registá-las por aqui.
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