Jangada de Pedra
Não consigo identificar a agradável
melodia que pelo toque de um piano acompanha o estranho bailado dos aviões na
placa do aeroporto da Portela nesse encontro que é sina alfacinha entre quem
chega e quem parte mundo fora.
Estou no interior de um avião da
Ibéria rumo a Madrid com muito poucos Portugueses e muitos Espanhóis com cara
de terem comido “carradas” de Bacalhau Dourado, que regressam a casa munidos de
Vinho do Porto, Pastéis de Belém e camisolas do Cristiano Ronaldo, num filme
consumista que dá razão ao Ministro da Economia, salienta a gastronómica
complementaridade entre Porto e Lisboa, e um filme que bem se poderia chamar:
"A vingança das Nancy's, dos Pyrex’s e dos Caramelos".
A minha leitura da revista Sábado denuncia-me os interesses e as
preocupações, fazendo "parelha" com o El Pais do meu vizinho do lado.
Rapidamente encetamos uma conversa.
Falamos de Portugal e Espanha, dos
pontos que nos aproximam e que sem complexos devemos explorar região a região,
sem que com isso coloquemos em risco a identidade cultural de cada nação, no
desmembrar desse complexo de Aljubarrota, que já não faz qualquer sentido, muito
menos numa altura em que os povos do sul da Europa estão a sofrer um ataque feroz.
Temos uma idade aproximada e ambos
desabrochávamos para o mundo no tempo em que os crisântemos do enterro de
Franco a caminho do Vale dos Caídos vieram fazer companhia aos cravos de Abril
numa Península Ibérica com novos ares de liberdade.
A falar em Castelhano, porque sempre
o entendemos e falamos muito melhor do que eles o Português, fomos revendo a
dois, quatro décadas em que acreditámos que a liberdade era uma garantia e o
progresso, um assumido e irreversível destino.
E agora, a Sábado fala de uma férrea austeridade a esmagar o Estado Social ao
nível das funções mais básicas da dignidade, e o El Pais da proibição de manifestações a menos de trezentos metros
da residência dos políticos Espanhóis.
Detalhes, episódios de uma paralela
crise no âmbito do Euro, os grilhões da finança e a escravatura do capital, a
matarem o progresso e a ferirem de morte a liberdade nesta ibérica Jangada de
Pedra, como a imaginou Saramago, que cruza o Cabo das Tormentas, esse ponto
onde há um perigoso e real Adamastor que spricht
Deutsch e que… há sessenta anos queimava pessoas.
A viagem até Madrid é demasiado
curta e impede-nos de muito falar (a Iberia em crise, nem um simples copo de
água nos ofereceu para aclarar a voz) e quando damos conta estamos a descer
para a capital de Espanha.
Não sei o nome do meu companheiro de
viagem de quem me despedi com um aperto de mão e um desejo de boa sorte. Ibéricas
cumplicidades algures nos céus da península.
Com um sorriso ainda me disse de
saída:
-E se a liberdade e o progresso
foram interrompidos, esta crise também o será um dia.
Como nós dizemos na nossa terra: "não
há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe".
Que acabe depressa e que muito
saibamos fazer por isso.
Simplesmente gostei com tenho gostado de todos os teus textos.
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