Esplendor na Relva
A
chuva cai de uma forma tão intensa, que está momentaneamente submerso o
alcatrão no meu percurso entre o Marquês de Pombal e o Estádio da Luz, mais um
episódio desta estranha primavera, na tarde de um dia de jogo do meu Benfica.
Acompanha-me
o som das notícias e tenho inclusive de aumentar o volume, tal o ruído da chuva
na “chapa” do veículo. A Antena 1 transmite as palavras de Miguel Relvas na
hora da demissão justificada “apenas” pela falta de ânimo, no momento em que se
disponibiliza para que a história lhe aplique um correcto julgamento.
Lisboa
mete água e… Relvas também.
A
história reserva-lha esse exclusivo e vergonhoso lugar de um ministro que viu a
sua “licenciatura” anulada pela evidência recebida na gaveta do seu colega de
Conselho de Ministros que gere a Educação.
Reconheça-se
no entanto que depois de quase dois anos de ruído e milhares de cartazes “Vai
estudar ó Relvas”, o facto de só agora o ânimo se ter esfumado, comprova
claramente que o homem tinha uma fantástica reserva de energia para a ilusão e
para a mentira.
Com
essa energia, quase nos ia dando cabo do poder local, da televisão, e
sobretudo, da paciência.
Deixo
o Relvas após estacionar no Colombo. A chuva abrandou e só uns pequenos
borrifos me acompanham até ao interior do Estádio onde me sento calmamente no meu
lugar de sempre.
É
cedo, os jogadores ainda não saíram para aquecer e há uma máquina com ares de
tractor que percorre todo o relvado promovendo o escoar da água acumulada após
a terrível chuva, restabelecendo a relva e dando-lhe um ar renovado.
Não
sei como se chama esta máquina mas pelo efeito pretendido poderia chamar-se
“Passos Coelho”, um pouco à semelhança do raspador que há muito tomou o nome de
“Salazar”.
O
jogo começa mal mas uma “troika” de golos do Benfica compõe o marcador.
A
relva aguenta-se bem durante todo o tempo da legislatura, perdão, do jogo. A
máquina estilo tractor foi bem mais eficaz que o Passos Coelho na restauração do
Relvas.
Ou
será que a quantidade de água acumulada no Relvas era bem maior do que esta do
tapete verde do estádio?
É
muito provável.
Já
não chove e é noite quando regresso a casa e me entrego a um momento de sofá em
busca do visionar dos golos, “esplendor na relva”, e da confirmação das grandes
penalidades do meu Benfica, de comando na mão e navegando entre os canais de
notícias. Nada de golos. Apenas e só, o “esplendor de Relvas” dissecado pelos
comentadores e politólogos.
Estou
cansado, apetece-me dormir… esta é afinal a hora dos “mágicos cansaços”, a hora
dos ataques da doce saudade que num romântico como eu, emergem sempre por sobre
estas aquosas e frustradas primaveras.
Desembocando
directamente da memória, um dia com tanta relva impõe-me ao pensamento o
excelente e inesquecível filme de Elia Kazan, “Esplendor na Relva” (Splendour
in the Grass).
Natalie
Wood, Warren Beatty e os amores difíceis e castrados da adolescência, paixões
tornadas impossíveis pela profusão de preconceitos e recalcamentos das gerações
progenitoras, os amores que se convertem em duas vidas distintas e afastadas.
A luz que brilhava tão intensamente
Foi
agora arrancada dos meus olhos,
E
embora nada possa devolver os momentos
De
esplendor na relva e glória nas flores,
Não
sofreremos, melhor,
Encontraremos
força no que ficou para trás.
A
esta poesia de William Wordsworth (1770-1850) foi outro William, o Inge, buscar
inspiração e título para este filme que em 1961 lhe valeu o Óscar para melhor
argumento original.
E
adormeci com estas palavras…
Encontraremos força no que ficou para
trás.
Que
assim seja para sempre no amor e na vida.
E
quanto ao Relvas?
Que
do seu passado de esplendor e glória no Governo encontre também a força mas
para se eclipsar. A gente agradece e a pátria também.
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