O céu tingido de um intenso tom de azul
Era
uma vez um menino com uns grandes e rasgados olhos castanhos, o dono de um
olhar com uma luz mais intensa que a do próprio sol.
Único,
especial, fantástico e diferente de todos os outros meninos, os seus super
poderes permitiram-lhe criar um mundo só para si, castelo mágico de aparência
impenetrável a todos os outros meninos e a toda a gente.
Os
dias iam passando e ele ia crescendo… e do lado de fora, nós sentíamo-lo feliz
no seu rodopiar sobre si próprio, no seu riso e no seu canto; por vezes triste,
num choro mais ou menos sonoro ou num lamento; palpávamos-lhe os sonhos vendo-o
correr sem parar e brincar com as pistas e os carrinhos, mantendo com eles uma
conversa muito sua que nós invejávamos não poder acompanhar…
De
vez em quando e por breves instantes, o seu olhar cruzava-se com o nosso,
ensinando-nos como é precioso e mais gratificante do que tudo, o encontro do
nosso com o olhar de alguém.
Por
vezes tratava-nos pelo nome e falava connosco, privilégio nosso nesse sentir da
importância das palavras.
Nos
raros momentos dos abraços, das festas na nossa pele e dos sonoros beijos, pelo
raro nos era dado aprender o inquestionável valor dos gestos que são expressão
de um profundo afecto.
Talvez
insatisfeitos com este nosso mundo que insistem em classificar de normal mas
que é afinal pátria de crueldade, tristeza e de um insuportável desconforto,
tanto que nós ansiávamos poder arquitectar e construir uma ponte que nos
permitisse galgar o fosso e entrar no castelo mágico do menino do olhar mais
brilhante que o sol.
Vivíamos
quase desesperados à espera de um milagre ou de que uma fada ou um mago
pudessem um dia saltar de dentro de uma lamparina e nos dessem a chave do
privilégio dessa passagem.
E
nada…
Até
que num belo dia que amanhecera com chuva e que ameaçava anoitecer com ela sem que
existisse sequer o tempo de um intervalo para que o sol brilhasse, refugiados
em casa, nos decidimos sair da comodidade do sofá e nos deitámos no tapete ao
lado do menino que tentava construir uma estrutura com peças de dominó
emparelhadas e colocadas ao alto para serem derrubadas em série após o impacto
de uma pequena bola.
A
pouco e pouco, com as nossas e as suas mãos pequenas, as peças foram sendo
colocadas com mais facilidade e os sorrisos, as palavras e os gestos, esses tão
raros que tanto ansiávamos sempre em cada dia, começaram a fluir e a fazer-nos
sentir entrar nesse castelo, o seu pequeno mundo de sonhos. Peça a peça, mão a
mão, no desenhar ritmado de um dueto simples, vivência de um amor tão simples
quanto completo.
O
menino cantava feliz e nós sorriamos descobrindo que a magia nunca cai do céu,
mas existe afinal em nós, lactente nos nossos mais ínfimos pertences, esperando
apenas que a soltemos nos mais pequenos gestos.
Simplicidade
e amor, códigos de acesso para que a nossa “banalidade” possa entrar pelo mundo
de sonho de um menino que Deus quis fazer diferente de todos os outros.
E
entre os sorrisos e a festa quase que nos esquecíamos de espreitar pela janela
para constatar que a chuva passara e que o céu estava agora vestido de um
intenso tom de azul.
Dia 2 de Abril, dia mundial da consciencialização para o autismo.
Otra vez, que significa: mais uma vez!
ResponderEliminarObrigado!