Basta uma só palavra para matar todos os silêncios do universo
Ontem
depois do jantar e aqui na mesa da sala, eu e o meu sobrinho João fizemos uma
sementeira de coentros, colocando as sementes num cartuxo próprio e sofisticado
que a minha amiga Teresa Lopes me ofereceu como presente de Natal.
Regámos
e esperamos agora que junto à janela da cozinha possam nascer os temperos que
acompanharão os alhos na festa das nossas açordas.
Depois,
mais tarde, adormeci ao som da chuva a bater forte na vidraça com o impulso de
um vento de uivos prolongados e intensos de onde às vezes a imaginação consegue
retirar palavras que contam histórias.
Mas
a noite levou o vento e está muito calma a manhã que trouxe com ela um nevoeiro
que não deixa ver quase nada para lá da vidraça; não há árvores, verde, o mar
ao longe, e a janela é agora um enorme espelho onde me vejo a mim e vejo tudo o
que o pensamento permite, que essa é a vantagem que colhemos dos instantes em
que os olhos vêem pouco.
E
a revisitar papéis, cedo esta manhã, encontrei algo escrito por mim em Maio de
2013.
Fala
sobre o silêncio:
Quem atira as suas palavras para o
silêncio
Vê-as morrer
Como o inevitável destino de um papel
no fogo que arde
Porque o silêncio é sempre o silêncio
Por mais que queiramos que o não seja
Por mais que imaginemos que o não é
Por muito que acreditemos que o
deixará de ser mais cedo ou mais tarde
Não
consigo lembrar-me do contexto em que escrevi isto, mas acredito que possa ter
sido quiçá numa manhã em que todas as janelas me devolveram a minha imagem,
muito mais do que qualquer outra coisa.
Com
uma diferença em relação a hoje…
Na
mensagem que me enviaste ontem antes de adormecer dizias que me adoras, e a
janela e o nevoeiro hoje mostram-me o mundo todo no detalhe do brilho intenso
do meu olhar; sem espaço para o silêncio, pois brotam de mim palavras como do
pequeno saco castanho da sementeira de ontem um dia nascerão as viçosas as
plantas, das quais prometi ir mandando registo fotográfico para o João.
O
silêncio poderá ser sempre o silêncio…
Mas
basta uma só palavra para matar todos os silêncios do universo.
E
quando dizes que me adoras…
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