O tempo semeia sempre saudades de quem importa
Existiu
um tempo em que éramos imensamente felizes, talvez sem termos bem a noção de
que nunca mais voltaríamos a ser felizes da mesma forma, e tão felizes assim.
Comíamos
cachorros quentes entre os despojos das manjedouras no bar do velho liceu
enquanto sonhávamos o nosso mundo, tocámos viola e cantávamos canções nos sítios
onde o cinzentismo de antes as proibia, rezávamos com a cumplicidade das
árvores, dos cheiros e das flores do campo, ousávamos falar de amor e de um
mundo diferente dissecando as letras dos Pink Floyd, jurávamos eterna
fidelidade a nós e a uma fé tão colorida quanto a nossa idade…
Ríamos
muito e como se não fosse existir qualquer mais pequeno amanhã.
Às
vezes juntávamo-nos para juntos encenarmos peças de teatro que levávamos à cena
sem qualquer receio, pois na plateia, como na vida, tínhamos os olhares aplauso
dos nossos pais; e nunca nada poderia correr menos bem.
E
esses olhares de onde víamos brotar o amor que nos abraçava intensamente nos
dias em que crescíamos, era afinal o segredo para um tempo que foi o melhor das
nossas vidas.
Passaram-se
os anos, décadas; e a “plateia” dos olhares generosos de amor foi-se transformando,
foi-se tornando vulnerável e foi tomando o estatuto de receptora do amor que antes
muito havia semeado em nós; e a “plateia” foi-se tornando às vezes mais vazia
nos instantes da partida dos nossos eternos mestres.
O
tempo empurra-nos para a frente na marcha inevitável das gerações e há um tempo
em que já não existe mais ninguém entre nós e o destino, mais ninguém que nos
cuide e que nos mime.
E
por entre essa “orfandade” tão temperada de memórias, às vezes até choramos de
saudade.
Hoje
soube da partida da D. Margarida, mãe da minha amiga Mena Rosa, a quem ainda
dei um beijo de boas festas à saída da missa de Nossa Senhora da Conceição na
manhã do último dia de Natal.
É
o tempo a semear saudades de quem importa.
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