A lição de uma velha árvore já morta
Gosto
destes dias em que a visão do sol nos alimenta uma secreta ilusão, mascarando o
típico frio de um Outono que a copa amarelecida ou avermelhada das árvores
denuncia a qualquer instante.
No
campo dispensamos o calendário, e pelos aromas, pelas cores e por estas
sensações, conseguimos sempre saber qual a estação do ano em que nos
encontramos.
Na
casa de Vila Viçosa, quando olhamos o Terreiro do Paço pela janela da cozinha
ou pela varanda, uma velha árvore implantada no quintal da Vizinha Clotilde,
sempre nos ajudou nesta tarefa de aferição do tempo, porque no Inverno tinha os
troncos à mostra, na Primavera revestia-se de folhas verdes que cairiam depois já
amarelecidas no Outono, e nos dava centenas de alperces doces durante o Verão.
No
quintal todas as árvores tinham uma história: o pessegueiro rasgou-se ao meio
por acção dos helicópteros que trouxeram o Papa em 1982, ano em que a
nespereira deu fruto que parecia milagre, e esta árvore, contava a vizinha
Clotilde, tinha sido trazida de uma outra existente num quintal de uma casa em
Lisboa onde vivia uma sua prima, casa onde pelos vistos tinha nascido o Américo
Tomás.
As
histórias das árvores ou afinal, pedaços das nossas histórias criadas à sua
sombra e na bênção dos seus frutos.
O
ano passado só comemos meia dúzia de alperces e logo de seguida a árvore deixou-se
morrer na sua pose imperial, em pé. Já não teve qualquer folha este ano e dela,
mais do que dos frutos, sentimos uma enorme saudade da sombra que sempre nos
proporcionava nos dias mais quentes de verão.
Continuou
no entanto a oferecer-nos os troncos para eu poder colocar uma pequena roldana
e brincar com os meus sobrinhos, e continuou a ser o trampolim para os gatos da
vizinhança que gostam de nos visitar aqui no primeiro andar e com quem
partilhamos alguns “petiscos”.
Esta
semana teve de ser cortada por razões de segurança e já não se interpõe mais
entre mim e a alva parede de cal da casa da frente que nunca tinha visto assim
tão próxima. Senti saudades dela hoje de manhã ao acordar, e senti a sua falta
entre mim e um dia solarengo de Outono.
A
árvore cumpriu o seu ciclo de uma vida que se cruzou tantas vezes com a nossa
própria vida, e hoje, mesmo já morta e apenas ressuscitada na minha memória por
efeito da saudade, ensinou-me a pensar como a grandeza da criação está muito
para lá do próprio Homem e como “todas as vidas” para lá do Homem nos devem
merecer o maior respeito e cuidado.
E
não é só pela utilidade que podem ter para o próprio Homem.
Só
que andamos tantas vezes distraídos e demasiado focados em nós num estranho
comodismo que tem efeitos devastadores.
Eis
a lição de hoje, a lição de uma velha árvore já morta.
E
eu?
Poeta?
Romântico? Ambientalista?
Não.
Apenas
crente na vida e em Deus, que é como quem diz uma e a mesma coisa.
E
um Homem do campo, sempre.
Comentários
Enviar um comentário