Os vampiros pimba do “Show Biz”
Depois
de um agradável passeio por Lisboa num domingo de Outono e quando a brisa
fresca que se intensificou com o pôr-do-sol, nos convida a um par de horas de
sofá antes de chegar o momento do jantar, começa o baile em ritmo de vira ou
baile mandado com o comando da televisão a fazer-nos passar pelas dezenas de
canais sem que algum deles nos prenda a atenção.
Os
três canais generalistas transmitem sessões de variedades de música pimba
directamente de um recanto algures em Portugal, com um casal de apresentadores a
utilizar o espaço entre as cantigas que falam dos desgostos de amor, do
bacalhau ou dos talos do nabo, para permitir ao público o envio de beijinhos
para a família, repetindo também até à exaustão, um número de valor
acrescentado que habilita o telespectador para o sorteio de uma agradável
quantia de dinheiro.
E
todos os argumentos servem para convencer o público a pagar os sessenta
cêntimos mais IVA por cada chamada para o tal número mágico.
Numa
destas passagens assisto a um apresentador na TVI a utilizar o argumento mais
cretino da tarde, referindo o grande número de desempregados neste momento em
Portugal e como qualquer deles se sentiria feliz se antes do telejornal lhe
caíssem quarenta mil euros na conta bancária. Convida então os desempregados a
pagarem sessenta cêntimos mais IVA por cada chamada para um número que, afinal
de contas, vai tão-só engrossar as contas da produção do programa.
A
crise existe e já provocou um elevado número de vítimas, indivíduos em verdadeiro
desespero, mas é indigna esta utilização da miséria dos outros como degrau a
pisar na subida para uma descarada promoção dos interesses pessoais e
comerciais de pessoas e de entidades sem quaisquer escrúpulos, este puxar do desespero
de outrem para um programa de variedades e “roubar” descaradamente a quem já
tem muito pouco acenando com uma doce mas apenas ilusão.
Demasiadas vezes se abusa da dor e da miséria dos outros numa atitude desprovida de
quaisquer escrúpulos.
Objectivamente,
à hora do jantar haverá a mesma (pouca) comida na mesa e a carteira estará mais
vazia porque se gastou dinheiro nas chamadas telefónicas… e não ligou ninguém
da TVI.
E
num programa em que supostamente se estaria a comemorar o S. Martinho, em
directo e ao vivo a partir de Penafiel, o apresentador faz o contrário do Santo
que um dia rasgou a sua capa ao meio para dar a um mendigo fazendo com que o
sol brilhasse no primeiro verão com o seu nome, São Martinho, no momento em que
por causa do seu sagrado pedaço de capa que restou e que passou a ser objecto
de devoção num espaço de reduzidas dimensões, todas as pequenas igrejas se
passassem a chamar “Capelas”: rouba o pouco que o mendigo ainda tem e segue
feliz embrulhado na sua capa, passando o microfone a alguma Ruth Marlene ou
Bruno Vanderley para que actuem na companhia dos seus animados grupos de
bailarinos que se mexem todos, e também os lábios, como se de cor soubessem as
letras picantes das cantigas.
Revoltado
avanço mais um pouco nos números do meu comando da Zon e apercebo-me que os
canais de notícias estão a transmitir em directo o comício que comemora os cem
anos de Álvaro Cunhal.
Como
declaração prévia de interesses devo dizer que politicamente me considero nos
antípodas de Cunhal, mas não posso deixar de lhe reconhecer um enorme mérito
pela luta de uma vida, pela sua enorme coerência e pela convicção com que buscou
a liberdade no país do Estado Novo, pagando um elevadíssimo preço a nível
pessoal e familiar.
Adepto
ou não dos seus ideais, é impossível não lhe reconhecer esse mérito e não posso
eu deixar de lamentar que os líderes de hoje não o acompanhem no valor e
sobretudo na força de buscar aquilo em que se acredita, numa perspectiva de
comunidade e não apenas do desafogo económico e comodismo de âmbito pessoal.
Afinal de contas, é por isso que estamos na situação difícil de
“mendigos” e à mercê dos vampiros que já não atacam só pela “noite calada” como
os que cantava Zeca Afonso, atacam ao final da tarde e enquanto nos distraem e
nos dão música.
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