Não separe o Homem…
Num
breve passeio em Roma na tarde de um sábado muito recente e na onda de
aproveitar para espreitar a infinidade de igrejas que se cruzam no nosso
caminho, algures perto da Fontana di
Trevi e num templo do qual não me recordo o nome deparei-me com uma
disposição diferente dos bancos destinados aos fiéis, em semi-circulo junto ao
altar.
Achei
interessante porque mesmo sem ter assistido a algum acto de culto fiquei com a
clara sensação de que naquele local, a comunicação por palavras, gestos e
sobretudo olhares, encerrava em si os dois sentidos naturais, não condenando
ninguém ao estatuto de só emissor ou só receptor, numa clara e assumida morte
do púlpito como máquina de emissão de verdades a uma massa de gente anónima a
quem só era permitido abrir a boca no final para dizer:
-
Ámen.
Visita
profética, aquela.
Ao
preparar o sínodo do próximo ano cujo tema será a família, o Papa Francisco
decidiu de uma forma inédita auscultar a opinião dos fiéis, a até aqui
“multidão dos ámen’s”, convidando-os a partilhar a sua forma de pensar e ver
todos os assuntos mais “quentes” relativos à família.
De
uma assentada colheu dois frutos. O primeiro foi dar voz efectiva aos leigos
concretizando o respeito que a hierarquia da igreja sempre publicitou ter mas
pouco concretizou ao longo dos séculos. O segundo foi tão-só reconhecer que há
diferenças que devem ser tidas em conta e discutidas, sem que perante elas se
assuma a atitude hipócrita da avestruz. Escrevê-las tratando-as pelo nome
correcto e real, já foi um grande passo em frente.
Como
católico e à luz da minha fé e das minhas convicções, li atentamente as
questões colocadas pelo Papa à reflexão dos leigos e não me parece difícil expressar
a minha opinião.
Deve
a fé centrar-se mais no conteúdo do que na forma, nos valores de carácter e nas
virtudes, muito mais do que nas aparências, e sempre, no amor entre os Homens
como expressão de amor a Deus e supremo louvor pela obra da criação.
A
família é a unidade central e um micro território de crescimento da fé, dos
valores, das virtudes de carácter e do próprio amor, amor presente desde logo
na raiz de uma partilha real de vida que me é perfeitamente indiferente se é
estabelecida entre um homem e uma mulher, dois homens, duas mulheres, ou então
e no caso de famílias monoparentais, no compromisso consigo próprio de um homem
ou de uma mulher.
O
que importa, reforço, é somente o amor. E não há amor que possa assentar em
algo que não seja a verdade de nós mesmos por muito diferentes que possamos
ser.
E
um contexto de amor, independentemente da forma, é sempre o ideal para educar
uma criança e para fazer dela um Homem maior e recheado dos maiores valores.
No
casamento, Deus une o que o Homem Lhe pede que una quando expressa no altar, um
“sim” que algures no tempo e por várias circunstâncias se pode transformar num
rotundo “não”.
A
mudança é inerente ao próprio Homem, é natural, não sendo nunca sinónimo de
obrigatória redução de virtudes. Pelo contrário, a mudança ocorre muitas vezes
no sentido da lucidez e da verdade.
Restringir
o acesso aos sacramentos das pessoas divorciadas que mais tarde “afinaram” as
suas famílias é claramente uma injustiça, uma condenação feita com base apenas na
forma visível e à luz das leis dos Homens que sempre persistem no tempo em
olhar Deus como um “carrasco” que efectivamente não é.
É
exigente, o que é bem diferente.
Numa
situação extrema, quem é que de forma mais efectiva louva a Deus através do
respeito por si próprio, uma mulher que comunga todos os dias porque se mantém
casada com um homem que a sova diariamente? Ou será a mulher que assume o fim
do seu casamento e que mais tarde refaz a sua vida com outro homem ficando
dessa forma afastada dos sacramentos?
E
mesmo que não haja violência envolvida, a vontade consciente do Homem num
determinado momento e a sua coerência tornam legítimo o afinar de todas as
opções.
Para
estas situações que aqui abordei, considero que o princípio é sempre o mesmo e
consiste basicamente no respeito pelo Homem e na vivência efectiva da caridade
porque é por aí que se respeita e louva a Deus, e o mundo pode avançar de
encontro ao amor.
Quanto
ao resultado desta consulta aos leigos espero que o Homem não separe mais uma
vez aquilo que Deus uniu quando na essência criou o Homem com uma infinita
capacidade de amar.
E já agora que morra de vez a hipocrisia.
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