Zé Maria
Já
que gozo da fama de ter boa memória (de elefante, segundo o nosso amigo Manuel),
com toda a legitimidade tiro dela o proveito, e desde muito cedo me recordo de te
ver pela nossa Vila Viçosa.
E
talvez a memória mais longínqua me venha da missa das dezoito horas de domingo
na Igreja de São Bartolomeu que ambos frequentávamos com as nossas mães. Já nem
sei há quantos anos e acho até que só eu é que me recordo dessa missa.
Desde
aí fomos crescendo e foi mais tarde no grupo Sementes de Esperança e nos
Convívios Fraternos que acabámos por nos cruzar de uma forma mais intensa e demos
lugar à amizade…
Tu
tocavas viola e quase nos davas com ela na cabeça quando as nossas vozes (de
cana rachada) frequentemente saiam do tom; fazíamos teatros e tu até
apresentaste uma réplica do “1,2,3” que foi ganha pelo meu pai em parceria com
a mãe dos manos Fradique; imitámos o Herman na "Jaquina, Jaquina, Jaquina", em que eu fazia a Assalariada Rural e tu a Doméstica; fazíamos letras alinhadas com o Rock lusitano da
altura e acabávamos a cantar coisas do género: “E não me irrites oh oh, e não
me irrites oh oh, se não… eu mordo-te uma orelha”; dançávamos nas festas de
garagem por entre os desgostos de amor das nossas amigas; nas camaratas dos
convívios e após a ingestão de feijoadas, atribuíamos ao Almeida Garret obras
que ele definitivamente não tinha escrito…
Depois
fomos estudar para Estremoz. Íamos de automotora com assentos de madeira e
disputávamos o lugar perto do motor por ser o mais quente, passávamos as
madrugadas à conversa no “Águias d’Ouro”, jogávamos matraquilhos no “Convívio”,
e não havia vez nenhuma que passássemos pelo túnel antes da estação, sem que um
de nós roubasse o chapéu que a Guida Paulino usava para ser moderna…
Casaste
com a Manuela e foste viver para a casa onde tive as melhores sessões de “Trivial
Pursuit” (e tu sempre te recusaste a aceitar que o que dá a mostarda é a mostardeira), e recordo-me de estarmos na esplanada da “Cambaya” aí pelo verão de
1991, a ver a pequena Marta, em fase pré-parto, a dar pontapés que sobressaiam
no vestido da mãe, uns anitos antes de eu inventar títulos de “Barbies” que a
deixavam louca ou de lhe chamar “Marta Gouveia – Miss Portugal 1979” e ela me
responder: “eu não sou Golveia”…
Foste
estudar para Faro e vieste de lá engenheiro, partilhámos viagens e muitos fins-de-semana,
comemos e bebemos como ninguém consegue fazer uma ideia, cimentámos todas as
nossas cumplicidades de vida, de fé…e sobretudo, e isso ninguém nos tira, demos
das melhores gargalhadas que é possível dar.
Cumpres
hoje cinquenta anos.
Sei
que o melhor que te posso oferecer para além da minha amizade que é imensa, que
me enche de orgulho e que será eterna, são estas memórias que nos fazem sorrir
e, quiçá aqui e ali, fazem aflorar ao rosto algum vestígio húmido de saudade.
És
um dos melhores exemplos de perseverança que carrego na minha existência e
admiro-te por essa abolição da palavra “desistir” que fizeste na tua vida, ao
mesmo tempo que “lutar” se tornou o teu verbo favorito e mais frequente.
Sei
que carregas os genes da tua mãe, por certo a pessoa que conheço que mais se
aproxima da heroína a que um dia Bertolt Brecht designou por “Mãe coragem”,
tens o privilégio de partilhar a vida com uma grande mulher e tens uma filha fantástica
que vai dar continuidade a esse ramo dos “Coragem” que tu próprio encarnas.
Sei
que o próximo meio século vai ser para ti um sucesso porque se és bom a pintar
com carvão e aguarela, és muito melhor a fazer da tua vida aquilo que ela é:
uma obra-prima.
E
despeço-me com aquele abraço de parabéns, informando-te que estás dispensado de
imediatamente a seguir à leitura deste texto, cantares a tua costumeira:
“É
boa, é boa, é boa sim senhor, se não sabes outra melhor canta essa que essa é
boa, é boa…”
Até
domingo para a festa do cozido.
Olha! Quando se quer dizer algo e não se consegue o tema vai mal! tanta cena que nem sei. Adorei este texto e foi muito interessante ler e rever toda a vida que passou pela frente. Recordo de facto muitas aventuras, velas viagens, canções, alegrias, tristezas partilhadas. Vejo-me antes dos sementes e vejo-me agora. As verdadeira vida e amizades começaram aí. Obrigado pela dedicatória. É sempre bom ouvir os grandes homens falarem de ti. Grandes homens dizem coisas sérias que devem ser levadas a sério. A sério? A vida é séria? ok
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