As lembranças de Lear e a busca incessante das palavras certas
Trouxe
da tarde uma foto que tirámos junto ao rio, e escrevo olhando-a fixamente à luz
das lembranças, buscando arduamente as palavras que melhor desenhem a verdade
sobre o sentir a que ela reporta.
Às
vezes faço uma pausa e fecho os olhos para regressar ao recanto perfeito que
arquitectaste em mim.
Sento-me
e descanso um pouco por lá.
Depois
regresso à foto e à folha branca.
Que
bom seria se os dicionários de todas as línguas do universo tomassem das musas
o encanto e pudessem ajudar-me…
Escrevo,
leio e releio, volto a escrever… mas nada se assemelha ao tudo perfeito que os nossos
olhos há pouco tão bem disseram um ao outro.
A
imbatível poesia dos olhares na nudez despojada de quaisquer pudores.
Alguém
plantou um sofá no cais da estação para que nós nos pudéssemos sentar a
partilhar a nossa história. Passámos tantas vezes por aqui e nunca pensámos que
um dia o tempo nos faria juntar; o Castelo iluminado ao fundo, o D. Maria no
sossego de uma noite sem teatro.
"Assim
que nós nascemos, choramos por nos vermos neste imenso palco de loucos."
Acodem-me
à memória estas palavras do Rei Lear que um dia ouvi por aqui.
E
sigo perdendo-me no número de vezes em que senti o impulso de te tomar e
acariciar a mão, ou então no número de instantes em que o brilho dos nossos
olhos esteve quase prestes a explodir…
Mas
a noite reservou para nós um beijo.
Sinto-o
em mim e é ele o recanto, o palco a que regresso enquanto busco as palavras
certas.
Louco?
Só
se assim se chamar o instante perfeito desenhado por todos os sentidos.
Um
beijo…
E
subo a Avenida da Liberdade a chorar e com a sensação de que hoje renasci.
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