DESTINO
A sombra do tecto denso oferecido pelas árvores do
caminho não consegue disfarçar o calor deste verão de 2025; sente-se em tudo e
na brisa que nos beija o rosto enquanto nos oferecemos a oportunidade de subir
desde a Estação de Vila Nova até à quinta, o caminho percorrido por Eça acabado
de chegar de Paris, o mesmo de Jacinto na ficção que rebaptizou esta terra como
Tormes.
“A cidade e as serras”, o romance que tu trazes
debaixo do braço e que abres de vez em quando como se de um guia de viagem se tratasse
e tu buscasses nele as coordenadas exactas do nosso trajecto.
Caminhamos como sempre, tu à minha direita, e de vez
em quando, nas pausas para retomar o fôlego, damo-nos um discreto abraço que
pode ou não ser coroado com um beijo.
Um gole de água, sorrisos, muitas palavras…
E finalmente a casa de granito que a hera foi tingindo
de verde à medida que trepava pelas paredes com aspecto idêntico ao da muralha
de uma fortaleza intransponível.
Respiramos fundo e dirigimo-nos de imediato para a
mesa que nos puseram debaixo da parreira e na varanda com uma vista
privilegiada para o vale do Douro que espreita azul lá em baixo.
Daqui a muito pouco o empregado fará chegar até nós, e
sucessivamente, a Canja de Galinha, o Frango Corado com Arroz de Favas, e o
Leite Creme caseiro queimado na hora. Durante toda a refeição brilhará nos
copos um fresquíssimo Vinho Verde, e imitaremos assim e na íntegra, a primeira
refeição que aqui tomou Eça de Queiroz… e também Jacinto.
Eu trouxe comigo um exemplar de “A fortuna perigosa”
de Ken Follett que coloco na cadeira vazia ao nosso lado. Tu espreitas e
sorris:
- Porquê Follett aqui no universo de Eça?
- Por ti. Tu ofereceste-me este livro há dez anos na
véspera de ter estado aqui com os meus pais a caminho do Gerês, quando te jurei
que um dia viria aqui contigo. Tardou dez anos mas estamos cá.
E reforço:
- Ainda estão por estas páginas as duas fotos tuas que
então me ofereceste.
Não resistes a espreitar... e dizes baixinho como se
de um segredo se tratasse:
- Parece que os nossos mundos confluíram para este
instante em tudo perfeito. Achas que foi o destino?
- Fomos nós muito mais do que qualquer acaso ou
congeminação de natureza cósmica ou divina… porque quisemos muito e porque nos quisemos
e queremos muito.
- E o destino?
- É desculpa para quem se rende passivamente ao
“lugar” para onde o tempo e os outros o empurraram. Somos nós quem desenha o
seu próprio caminho, às vezes por entre muitas pedras; outras vezes cruzando o
improvável e o inédito, como Follet e Eça, que para nós fazem todo o sentido
aqui juntos.
E continuo:
- Chamemos Saramago também a esta mesa para que ele
nos diga que “o destino desconhece uma linha recta”.
Sorris.
A brisa continua a beijar-nos intensamente mas
finalmente consegue vislumbrar-se algum fresco do tom de pinho do alto da
serra.
Pego-te na mão direita, dou-te um beijo e acrescento
ainda:
- Mas também há quem chame destino ao ponto ideal e
bom para onde a sua vontade o conduziu…
- E então…
- Então, tu és e serás sempre o meu destino.
E pelo beijo que me dás de seguida concluo que eu também
sou definitivamente o teu, aqui entre as serras… e entre todas as cidades que a
vida nos der.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 4 / Letra D / Tema proposto
por Andreia Maia)
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