VIVER
Vivo por tanto e tão pouco por respirar.
Vivo no sim e no não que amordaçam a sensaboria morna
de um talvez ou de uma decisão eternamente adiada.
Vivo nas páginas de um livro que me traz o mundo, ou
então numa viagem para perto ou para longe, mas que me leva sempre até tantos e
novos mundos.
Vivo nas asas de pássaros de um poema de Pessoa, no
mar de Sophia; nos contornos impossíveis da voz de Amália, no timbre e no mel
de Bethânia e Caetano, num filme de Almodovar, numa gargalhada do Herman, num
passe do Ronaldo, num golo do Benfica.
Vivo nos contornos todos do abraço de um amigo, na
melodia de um beijo, numa conversa de esplanada, no café com gelo tomado à
beira mar, numa pausa à sombra de um sobreiro, na água bebida com as mãos em
concha na bênção de uma fonte, nos pés imersos no fresco correr de um rio, numa
foto, nas palavras que descubro por entre a magia e os mistérios de um poente.
Vivo num serão "ao colo" dos meus pais, no
pequeno-almoço à mesa com a família toda, nos desenhos do Luís, nas histórias
do João, nas cumplicidades todas nascidas da festa de ter o melhor dos irmãos.
Vivo quando rezo, quando acredito, quando me proponho
ser maior.
Vivo nos sorrisos libertos pelas palavras de amor, nas
linhas irregulares traçadas pelas tuas mãos no momento de uma carícia, nos passeios
por Lisboa, no prazer de tantas pequenas coisas que o amor torna gigantes.
Vivo quando me deixo acontecer, vivo nas minhas
diferenças, quando sou eu e a liberdade num caso com todos os laivos de perfeição
e eternidade.
Vivo por tanto...
E respirar?
É apenas um pequeníssimo e quase irrelevante detalhe.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 27 / Letra V / Tema proposto
por Vítor Rodrigues)
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