RAMAGEM
Junto à porta da casa do forno colocaram há pouco os
ramos já secos da esteva colhida pelos montes. O sol não apagou totalmente a
sua resina e é intenso o aroma que se liberta pelo ar ou quando lhe tocamos
mesmo que ao de leve na hora de nos escondermos enquanto brincamos.
Não tardará muito e este mesmo aroma passará para o
pão, e também para os bolos fintos que a mãe amassou e que esperam em grandes
tabuleiros negros de metal, a sua vez de entrarem no forno.
É santa esta quinta-feira de Abril, e daí até Junho será
um curtíssimo salto no tempo.
A nossa rua irá como sempre comemorar o São Pedro, e
os serões que vão desde aqui até à véspera da festa serão passados no
rés-do-chão da casa da D. Mariana Emilia a cortar e a enrolar papel que depois
da ajuda de um arame muito maleável, tomará a forma de flores que oferecerão à
rua um tecto colorido na hora de passar a procissão com o andor da imagem que
sairá da igreja da Misericórdia.
Mas antes, algum vizinho se encarregará de ir ao campo
buscar fectos e rosmaninho que espalharemos pelo chão; um informal
"incenso" da planície para saudar a fé que passeia connosco.
E o passo da gente esmaga as plantas que incansáveis
perfumam o ar durante toda a noite.
Mas Junho às vezes também é mês de despedidas…
Acabaram as aulas e o Padre Armando vai deixar Vila
Viçosa para regressar a Proença-a-Nova.
No grupo onde muito iremos sentir a sua falta
preparámos uma festa de despedida; e porque ele um dia nos contou que na sua
meninice na Beira Baixa fazia sucesso na hora do mês de Maria, porque apanhava
umas fantásticas e muito campestres flores amarelas, nós andámos toda a tarde
pelo campo a recolher tudo aquilo que de amarelo a primavera tinha feito
crescer ao redor de Vila Viçosa.
Enchemos a sala do Lar Juvenil onde sempre nos reunimos,
com uma imensidão de flores amarelas.
O Padre Armando adorou a surpresa, elogiou-nos o
esforço, mas confessou que não tínhamos conseguido encontrar as "suas
flores".
Entre o pão, o divino e a amizade...
Os dias carregam infinitos aromas, na sua mais
perfeita informalidade.
Por mais que nos apliquemos ao serão e façamos umas
farfalhudas hortênsias, jamais as flores que penduramos e que foram talhadas
pelas nossas mãos terão o cheiro que vive à solta pelos montes na bravura
daquilo que nem foi semeado.
Mesmo quando não encontramos as “flores” que buscamos,
há casas cheias de muitas outras que nos permitem viver a festa.
E eu jamais deixarei de me lembrar do Padre Armando
quando passo e vejo flores amarelas algures pelo campo; ele por certo sorrirá desde
o Céu e por entre o perfume da minha história e das pessoas que nela se eternizaram
em mim.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 23 / Tema proposto por Rui
Pereira)
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