UNIÃO
Sentado sozinho na esplanada, apercebo-me que há um
homem próximo de mim que assobia num tom dolente de suspiro, um airoso modo de
disfarce para as palavras que guarda e não pode dizer a ninguém.
Ofereço-lhe por momentos o olhar, e vejo como o tom
asa de corvo do seu cabelo não cumpre nem de perto nem de longe, o objectivo de
calar o tempo.
E devolvo-me ao bloco onde escrevo.
Algures pelos finais dos anos setenta, o Dr. Manuel
Inácio Pestana vai dar uma conferência no salão da Sociedade Artística Calipolense;
um serão diferente a que eu e os meus amigos não faltamos de bloco de
apontamentos e caneta, não vá o prelector revelar localizações de subterrâneos
que guardem tesouros capazes de nos tornar tão famosos quanto os cinco da Enyd
Blyton.
Já na viragem para os anos oitenta, a Vila pára à hora
da telenovela, e nós, já adolescentes da "Turma do Clerasil",
encontramo-nos na Corredora, na garagem da Casa Paroquial para as reuniões de
um grupo que baptizámos de "Sementes de Esperança".
Cruzamos os anos oitenta em sítios diversos; e por
entre sebentas, croissants e o Cartão Jovem, escrevemos cartas uns aos outros.
Na viragem para os anos noventa escutamos os Madredeus
e começamos a usar gravatas de riscas, cornucópias e bonecos da Disney; para
trabalhar e também para os fins-de-semana dos casamentos. Seis bodas em 1992, o
Ano de Barcelona.
Viajamos pelos anos noventa, no país e no estrangeiro,
compramos telemóveis, tornamo-nos mais próximos pelas virtudes de falar também
com os dedos, e passamos para os anos de 2000 a pensar que a Europa jamais voltará
a ter muros, sendo Portugal uma imensa e eterna Expo.
Na primeira década do Século XXI fomos para o Marquês
festejar as defesas do Ricardo no jogo contra a Inglaterra, e começámos a
encontrar-nos informalmente na solidão da partida de tantos daqueles que nos
fizeram assim felizes.
Na segunda década pagamos a Troika, falamos no
Facebook, convocamo-nos por SMS e já damos boleia aos filhos uns dos outros
porque quase todos já estão na universidade.
As conferências são sempre em Vila Viçosa, não na
Sociedade Artística mas no Café Restauração. Também já não levamos bloco e
caneta, e não é por termos telemóvel e iPad; é que os tesouros, aprendemos a
registá-los no coração e com a tinta indelével dos afectos.
Temos cabelos brancos porque adoramos o tempo que
vivemos e nunca precisaremos de assobiar para espantar a solidão porque nos
temos sempre presentes.
União...
Na hora de escrever este tema achei que só o poderia
fazer a pensar nos meus amigos de Vila Viçosa, únicos e eternos, como tantos
outros fantásticos que entretanto foram chegando e unindo-se a mim sem equívocos
para ficarem”.
Por todos e pelo incansável toque dos afectos, jamais
andaremos pelas esplanadas a camuflar a solidão.
E para que conste e pedindo desculpa se me esqueci de
alguém, aqui ficam os nomes que guardo no “Mural da União” desse tempo em que
fomos crescendo juntos entre a Porta dos Nós e a Quinta Augusta, entre a Lapa e
os Capuchos:
Manuel Almas, João Paulo Silva, Paulo Geadas, Paulo
Quinteiro, Pedro Silva, Manuela Silvério, Rosa Silvério, José Maria Barreiros,
Zinha Duarte, São Duarte, Lurdes Duarte, Céu Duarte, Fernando Duarte, Rui
Duarte, Madalena Barros, Mena Rosa, Célia Costa, Béquim Saúde, Gina Barradas,
Jesus Simões, Palmira Calado, São Aurélio, Clara Fonseca, Manuela Baptista,
Jorge Lopes, Paulo Serrano, Paulo Ratado, Tina Cravo, Maria José Ramalho, Luísa
Valente, Margarida Paulino, Maria José Bexiga, Bela Toscano, Jesus Rosa, Paula
Dias, Catarina Dias, São Cravo, Helena Pereira, Joana Pinto, Maria João
Nogueira, Ana Cristina Almas, Pedro Pinto, Filipe Bacalhau, Mena Espiguinha,
São Ramalho Casco, João Casco, São Penetra, São Toscano, Zé Toscano, Ana Isabel
Rocha da Silva, Elsa Grácio, Manuela Caeiro, Manuela Cordeiro, Graciete Reia, Paula
Paulino, Paula Almas e, claro, o meu irmão, José Artur Barreiros.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 26 / Letra U / Tema proposto
por Eduardo Santos)
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