IGUALDADE
No final de um dos filmes da minha vida, “Far from
Heaven” (“Longe do paraíso”) de Todd Haynes, Cathy, a mulher perfeita dos anos
cinquenta Americanos interpretada pela magnífica Julianne Moore, fica sozinha
na estação vendo partir o comboio que leva o seu amor, Raymond (Dennis
Haysbert).
Ela é branca e ele é negro, ela é mulher de um
executivo e ele é o seu jardineiro que a determinada altura, e depois das
perseguições raciais de que é vítima, lhe confessa:
- “Aprendi a minha lição acerca de misturar os nossos
dois mundos”
Dois mundos…
E o maior pecado dos Homens será sempre a construção
de muros mais ou menos invisíveis na separação deste mundo em vários pedaços; paredes
erguidas pelo cimento da imbecilidade e constituídos por tijolos recolhidos a
pretexto do género, da etnia, religião, nacionalidade, estatuto social,
orientação sexual, poder económico…
Ficamos nós contra os outros no império do acessório que
esmaga o nuclear, a essência.
“O importante é a rosa”.
O importante é o Homem.
E o invólucro e o tom de um qualquer pigmento na
epiderme mata a genética das mãos e dos corpos nascidos para se encontrarem, os
ícones afundam Deus e calam o clamor da fé da alma, o socialmente correcto
esmaga a verdade que existe num beijo de amor, as fronteiras interrompem as
estradas que ligam destinos, o poder destrói o riso, a autenticidade, a vida e
o tempo; o “forte” e o “fraco” como sobrenomes e adjectivos de cada género, são
traições à essência da verdadeira força.
A soberba na fome de “ser alguém” mata tantas vezes a
nobreza de ser gente.
O “cais das estações” de todas as cidades onde vivemos
com instinto de sobreviver, estão assim condenados a refúgios da solidão de corpos
de mãos dolentes e vazias a acenarem na partida.
Partem “amores”, rasga-se o mundo em dois, trai-se a
essência que nos fez iguais…
E matamos Deus em cada um desses instantes.
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