RESILIÊNCIA
Há dias assim, como hoje, manhãs envoltas por esta
neblina que não me deixa ver o mar e apreciar-lhe o tom azul, sentir o sol; e
depois quiçá avançar pela areia que sinto arrefecer à medida que me aproximo do
abraço das ondas, para me oferecer a mim próprio um mergulho nas águas perfeitas
do Atlântico.
Trouxe a mochila, o guarda-sol, a cadeira que se
regula na inclinação das costas para que eu possa ler ou adormecer deitado,
trouxe uma toalha colorida, um livro, um caderno, uma esferográfica, algumas
maçãs e uma garrafa de água bem fresca.
Não desisto.
A areia está húmida por efeito de umas pequenas
gotículas frescas que caem e eu sento-me na cadeira e debaixo do guarda-sol que
para já me protege… da chuva.
Ofereci um ângulo de noventa graus às costas da
cadeira relativamente ao assento, e estou em óptima posição para escrever. A
toalha, pu-la a cobrir-me parte das pernas e a resguardar-me da aragem fria.
Puxo do bloco e da esferográfica enquanto reparo que
está bandeira amarela.
A praia está quase deserta e por isso fico por ali
mais tempo à conversa com o nadador-salvador e com o vendedor das Bolas de
Berlim que entretanto passa, e que hoje trocou os gritos para a multidão por
uma muito discreta frase quase ao meu ouvido:
- Então amigo, hoje vai uma bola?
- Vai sim, e com creme; que hoje o sol não patrocina
bactérias no bendito bolo frito.
- Então compra uma e eu ofereço-lhe outra que fica
aqui para mais logo.
- Obrigado.
Pago e fico por ali mais dez minutos à conversa. O
rapaz é Alentejano como eu e tem este trabalho de verão há já dez anos. Ganha
algum dinheiro extra e ajuda uma tia que vive na margem sul e se dedica a fazer
bolos para fora.
Depois, confessa-me que ao fim da tarde vem sempre dar
um mergulho, e que por isso e por fazê-lo sozinho, pode afirmar que esta praia
é sua propriedade.
O rapaz vai-se embora e eu não tardo a comer a minha
Bola de Berlim.
Tenho a outra ali ao lado perto das maçãs e recomeço a
escrever…
Era uma vez
um rapaz que passava os dias a namorar o mar mais azul do universo, e que
depois já mais tarde e antes do anoitecer, vinha dar-lhe um abraço e um beijo
deixando-se envolver com ele na perfeição do pôr-do-sol…
Escrevo sobre o mar azul, não o vejo mas “pintei-o”
assim a partir da conversa com o rapaz que apregoa Bolas de Berlim.
Há dias assim, como hoje, manhãs envoltas por esta
neblina…
Dias em que é preciso que nos reinventemos,
conseguindo até tirar o cinza e substitui-lo pelo azul no tom do mar que
vislumbramos algures por aí.
Dias únicos em que somos felizes mesmo sem
conseguirmos dar um mergulho, mas aprendendo como se ganha uma praia só para
nós.
Resiliência…
Uma montanha que se interponha entre nós e o mar
sempre pode ser um degrau que subimos para ficar mais perto do céu.
(“Um mês A GOSTO” / Dia 28 / Tema proposto por Marco
António)
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