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A mostrar mensagens de maio, 2021

Viagem às ruas escuras

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Não existem cidades sem ruas estreitas, mal alumiadas, e muitos agrestes, no empedrado e na inclinação, tal qual os dias e aqueles seus minutos que doem. Gosto muito de vos falar das avenidas solarengas que respiram a primavera, acredito, inclusive, que estarão acostumados a isso, mas hoje, com o devido pedido de desculpas, convido-vos a caminhar comigo na escuridão desses becos mais sombrios. Regressamos por momentos aos anos setenta, e aos momentos em que a liberdade florescia finalmente no regime e na ambição da gente, mas o gesto da maioria era ainda refém dos estereótipos e dos seus julgamentos sumários, invariavelmente, infelizes. A liberdade leva o seu tempo até aprender a lidar com o respeito pela identidade, e por ela, com o reconhecimento da grandeza da diversidade. Ao contrário da maioria dos meus colegas, eu preferia ler um livro a jogar à bola, gostava mais de estudar do que ir destruir ninhos e jogar à pedrada, tinha boas notas, não ridicularizava as raparigas, e

Este maio que tarda em amadurecer

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É no silêncio que melhor se leem os pássaros, e que os glóbulos da ousadia, que oferecem coragem ao sangue da alma da gente, se inspiram para voar num ímpeto assumido de revolução. De encontro ao amor e à paz, por via liberdade, porque cabe a maio cumprir e demonstrar que abril não foi em vão.   Este tempo chamado maio, maduro só será nesse dia, quando afastarmos os ramos de giesta para aproveitarmos as janelas que a fé nos rasga até nas horas da solidão mais opaca e cruel. Um maio sem vertigem, por mais alto que se nos espreitem os desejos. Um maio sem capas e sem adornos, por mais que nos atormente a moral. Um maio com esquerda e com direita, ambidestro na mais acérrima defesa da dignidade e da verdade. Um maio com Israel e com Palestina, e com as duas legítimas faces de um Deus só, jamais desmembrado por inspiração do poder do dinheiro. Um maio sem náufragos, sem cá e lá, sem nós e os outros, sem fome e sem intolerância. Um maio sem corruptos, sem malabaristas e mágico

Quanto mais verde é a erva, mais rubra se faz a papoila…

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O meu pai é adepto do Sporting, e se acaso vos surpreende o tempo verbal que utilizo nesta afirmação, esforcem-se por entender a relação muito próxima que a fé e o amor têm com a eternidade. Cresceu o pequeno grande Artur numa família de Benfiquistas, mas inspirado pelo padrinho, mestre barbeiro com quem aprendeu o ofício, e por cinco jogadores do Sporting reconhecidos pelo seu magistral acerto de violinos, acabou adepto e sócio dos Leões. Quando eu nasci, em minha casa havia um azulejo com o símbolo do clube de afeição do meu pai, que vinha a Alvalade ver alguns jogos, e me levava bandeirinhas e cachecóis verdes e brancos. Em vão. Por inspiração do meu tio José Boquinhas, e sobretudo por um senhor de nome Eusébio da Silva Ferreira, eu não me lembro de jamais ter torcido por outro clube que não o Benfica. O meu irmão nasceu cinco anos depois de mim e seguiu-me o gosto. Não me recordo de o meu pai nos ter contrariado nesta futebolística afeição. É claro que havia gente que o

A minha mãe

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Nas manhãs de sexta-feira costumo levar a mãe à cabeleireira, passando obrigatoriamente na casa onde morámos e eu nasci, assim como naquela que foi a residência dos meus avós, os seus pais. Não nos pertencem e ambas apresentam um elevado estado de degradação, que nós nos inibimos, quase sempre, de comentar. Sabemos há muito que é no amor que se nasce, que se cresce... e tudo o mais são paredes e telhados vulneráveis ao tempo. Há alguns anos, enquanto eu jantava com os meus pais num restaurante de Vila Viçosa, um senhor nosso conhecido acercou-se da mesa para nos cumprimentar, e alentado pelo meu celibato não resistiu a perguntar-me: - Então quando é que resolve dar um dia grande aos seus pais? E a minha mãe, antes que eu pudesse articular algumas palavras, respondeu-lhe: - Tem dado muitos dias grandes, graças a Deus. Sei há muito, porque assim aprendi da minha mãe e do meu pai, que o amor se concretiza no ser, muito mais do que em qualquer forma ou detalhe que se possam ver. Qu