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A mostrar mensagens de janeiro, 2015

Chuva… e silêncio

Há dias em que o corpo nos pede e impõe o silêncio para que a alma tenha oportunidade de ressuscitar eficazmente as palavras, os gestos, os olhares… tudo aquilo que guardou de alguém, atenuando assim a saudade da sua partida ou da sua ausência. E assim, em estátuas erigidas pelo pensamento, se eternizam aqueles que amamos, mesmo por entre a despedida de uma parte de nós que sempre morre com eles. O Tio Joaquim perdeu a conta ao número de vezes que leu os dois livros de memórias que publiquei, e disse-me ter revivido com eles e pelas palavras, um tempo perfeito e bom de sol, afectos e Alentejo, lembranças que foram alento nos dias difíceis da sua longa doença. Dedico-lhe todas essas palavras que por ele ganharam muito mais sentido, mandando-as agora envoltas num beijo directo ao Céu para onde partiu ontem num dia triste de chuva. Chuva… e silêncio.

Um dia tão… “Correio da Manhã”

A manhã de Lisboa está húmida e a exigir impermeáveis e chapéus-de-chuva, estes últimos colocados num recipiente próprio existente à entrada da Pastelaria, para que possam pingar à vontade. Entro, cumpro o ritual do chapéu-de chuva e busco um lugar ao fundo da sala comprida, ficando virado para a porta e para a montra que me revelam os jardins da Gulbenkian. Surpresa… Toda a gente virou costas à porta e está sentada de frente para mim que assim me sinto um verdadeiro maestro a dirigir uma orquestra formada por seis intérpretes femininas. Depois de olhar para a televisão colocada na parede atrás de mim entendo o porquê desta situação: Correio da Manhã TV 6 – Jardins da Gulbenkian 1. Perco por goleada. Enquanto elas se actualizam relativamente ao conflito Bárbara / Carrilho, à guerra Marco Paulo / Kátia Aveiro e absorvem as últimas notícias que chegam da prisão de Évora, eu fico como que parado perante as páginas abertas de uma caderneta em que os cromos divergem pelo desen

Choverão flores sobre nós nesses dias da primavera que esperamos

A chuva miudinha da manhã de Lisboa molha-nos a todos com independência do estatuto intelectual que assumamos ou nos atribuam; e como tudo o que existe tem sempre um lado positivo, até mesmo o mais negativo, as filas de trânsito que ela patrocina à entrada da cidade têm o condão de nos dar tempo suficiente para desfrutarmos dos detalhes que de outra maneira iriamos ignorar. Vejo as árvores de Monsanto… Estão verdes no benefício das folhas que nunca as abandonam, e em algumas das outras, aquelas que o inverno despiu, já floresceram pétalas entre o tom branco e o rosa, detalhes que lhes dão um ar de festa e nos lembram a primavera. O mesmo tom rosa que brilha com o amarelo nas fachadas ainda mais viçosas depois da chuva que enegreceu o tom dos telhados que as encimam. Percorro a cidade segundo a rota das obrigações, mas é impossível não desfrutar do que vejo, da chuva, e recolher da manhã a poesia da mais intensa das devoções. Lisboa será sempre a minha cidade por ser a pátri

O sofá de um Homem enamorado é um parapeito de vistas infinitas e ilimitados horizontes

O sofá de um Homem enamorado é um parapeito de vistas infinitas e ilimitados horizontes; que o pensamento jamais se nega a tomar e a fazer suas, as mais ousadas e destemidas oníricas asas que o amor lhe “imponha”, e assim voar para longe. Sem autocensura como privilégio, sem humanas e racionais “portagens” debitadas directamente na conta do bom senso, as noites de aparente silêncio são assim o berço de histórias que alinham o tempo com tudo o que está inscrito na nossa vontade. E rompem qualquer espaço. Às vezes enquanto voo, pego na caneta e no bloco de capa vermelha, e coloco as melhores palavras que conheço na história que nasce em mim, fazendo um Diário de Bordo onde os quilómetros são o caminho por onde me levam as sensações. Bem mais importante do que qualquer outro registo diário; que aquilo que fazemos é o previsível que toda a gente vê, e aquilo que se sente é o que nos define e muito melhor fala de nós. Numa destas noites olhei para a parede onde repousam os teus

“Não é este o perfil que procuramos”

No país da crise, poderá tardar, mas chega sempre o dia em que o desespero tem o nome, o apelido e o rosto de alguém que conhecemos. No país da crise, os empresários de sucesso, algures no seu trajecto entre o poder mediático e as garras do Ministério Público, e sempre com uma passagem obrigatória no entretanto pela Sala das Bicas do Palácio de Belém para uma condecoração por bons serviços; envelhecem-nos precocemente e condenam-nos a campa rasa no talhão dos demasiado competentes para o parco salário que nos podem / querem dar. E aos cinquenta anos, a vida e os planos que legitimamente alimentámos enquanto fazíamos uma formação profissional de excelência e nos treinávamos e crescíamos em trabalhos de elevada responsabilidade, vêm-se subitamente sete palmos abaixo do mínimo compatível com a dignidade. Por mor da discrição chamo António a um amigo que é arquitecto, que tem uma idade próxima da minha e a rondar os cinquenta anos, que tirou o curso numa escola acima de qualquer su

Basta tão pouco para que sejamos resgatados da solidão pela força de invisíveis abraços

Da minha janela vejo uma grua gigante que assenta sobre um terreno de onde há semana retiram terra, uma grua que permite içar todos os pequenos e grandes detalhes daquilo que de aqui a alguns meses será uma enormíssima casa. Sentimos o bulício, o ruido dos camiões, as vozes de comando e de quem obedece na hierarquia da obra que vista de aqui parece um caos, mas que afinal não o é; porque toda a gente sabe onde deve estar e faz o que é suposto fazer. Na barra do café e no final de uma solarenga tarde de domingo buscam encosto os solitários, indivíduos perfilados de frente para um espelho já gasto pelo tempo, soldados na ordem unida do silêncio por entre apenas o tilintar das chávenas, o ruido intenso do moinho do café ou o soletrar acelerado do valor da conta a pagar por algum cliente. Os Homens sós e anónimos parados no chafariz de onde bebem um conforto mais ou menos descafeinado. Eu estou ao balcão por entre saudades tuas que me impelem a ler a última mensagem do telemóvel,

Há murros e murros…

Às vezes os melhores do mundo também se inflamam e, despojando-se das vestes do “divino”, descem dos altares e dos pedestais dourados onde nós prematuramente os colocámos em estátuas, revestem-se da mais humana sina e vêm esmurrar e pontapear os restantes mortais. O poder inebria e às vezes parece oferecer asas para voar por cima do bem e do mal. Clara ilusão. E os socos “fáceis” dos poderosos sobre os mais fracos são manifestações da sobranceria vã e bacoca dos ditadores; e são a autoproclamada morte dos heróis. Estás a ouvir Ronaldo? E não chega pedir desculpas por esse gesto tão feio exactamente no dia em que passavam dez anos sobre a morte de Féher em campo.   Mas às vezes são os fracos que se revoltam e dão socos e murros nos poderosos; e fazem-no tantas vezes por sobre as dores da miséria a que estão condenados. E os murros dos fracos sobre os “ditadores” são prova e marca de heróis. São os murros legítimos. Os poderosos da Europa “brincaram” demasiado com a h

Nós somos da idade do que queremos viver, muito mais do que daquilo que já vivemos

Nós somos da idade do que queremos viver, muito mais do que daquilo que já vivemos. É novo quem ambiciona e se entrega a um futuro longo e completo, é velho e morre quem não o sonha e não se dispõe a vive-lo assim; e eu nasci na tarde de primavera em que te dei um abraço e tomei desse instante uma vontade infinita de prolongar ao impossível todos os dias que a vida generosamente me oferecer. E a infinito sabem todos os instantes em que te encontro e me coloco à sombra do teu olhar, esse infinito impenetrável onde as palavras não contam e nem sequer conseguem dar justiça ao que se sente. Uma Bola de Berlim é o pretexto para uma mesa acesa para dois num corredor onde o chá nos aquece, as mãos e os lábios se namoram… E eu não me canso nunca de te olhar. Sim, eu sou da idade desta inédita paz e descubro em mim as forças para viver intensamente, voar por sobre tudo e calcorrear contigo todos os mais ínfimos recantos do universo, na morte dos relógios; que o tempo é nosso e as ho

Perdi-me tantas vezes em tantos abraços até te encontrar…

Há um não sei quê de irresistível que colho deste instante e tece em mim a vontade de querer voltar sempre aqui. Há um rio que a noite tinge de negro e abandona à mercê do luar; sente-se a brisa fresca no aroma do vento que terno nos abraça; faz-se de luz o horizonte nas terras do sul, as terras de para lá da ponte e do Cristo-Rei; há o passo dolente e iluminado dos navios que levarão de Lisboa as lembranças da mais perfeita das cidades… Mas é por ti que se me faz adicto este momento que esboça o abraço terno e eterno do maior amor; este estar em que todo o teu corpo cumpre os mais ínfimos desejos do meu, e se faz a minha sorte. Perdi-me tantas vezes em tantos abraços até te encontrar… Mas agora aqui olhando um rio e tomando-lhe a brisa que o denuncia num inevitável destino de mar, eu sou um homem parado no cais onde desembarca o seu destino por entre uma festa de rosas e de aromas, das fanfarras, dos bombos, do fogo… e eu sinto na brisa entre barbas e no nosso respirar, a de

Acho que todos os opositores à adopção por casais de pessoas do mesmo sexo por entenderem que tal impossibilita o desenvolvimento equilibrado do individuo, deveriam hoje explicar o porquê dos concorrentes à “Casa dos Segredos” serem na quase totalidade oriundos de famílias formadas por casais heterossexuais

À porta do IPO de Coimbra estão a três homens à conversa, e discutem questões de fé. Confesso que o sítio é logo à partida verdadeiramente atentatório para as mais convictas e enraizadas crenças. Sem me poder parar só consigo ouvir um deles a afirmar que uma das provas da não existência de Deus é o facto de haver guerras. Se Ele existisse viria cá acabar com elas. Para este homem Deus é pois incompatível com a sua liberdade: seria Deus a mandar de forma absoluta e ditatorial, vindo de vez em quando cá “abaixo” dar um valente par de “sopapos” nos beligerantes ao jeito de “acabou o Carnaval de Ovar”. Sigo. Daí a pouco estou sentado na pastelaria que tem a televisão ligada num canal de notícias sem que quase não se escute o que a jornalista diz, abafadas as palavras pelo tilintar das meias de leite, dos galões e afins. No entanto, passa um destaque em rodapé e uma senhora sentada atrás de mim e tão atenta quanto eu ao ecrã, emite um suspiro profundo quando se apercebe que o te

O amor é um eterno abraço sem pausas para a solidão

A noite traz-nos por vezes recantos perfeitos onde por entre a escassa luz partilhamos segredos. Um afago, uma palavra, o fim do medo de sermos nós… e o deixar que a alma se entrelace na de alguém ao ritmo do assumir de todas as mais confortáveis cumplicidades. E às vezes nesses recantos assistimos à morte de uma certa solidão, talvez no exacto momento em que as mãos já não sentem a distância de por quem choram, e os sentimentos expressos por palavras ajudaram a construir a casa onde iremos viver, e que é a casa onde mais queremos viver. A casa onde nunca faltarão os bolos da nossa ilusão. A casa com vista para a praia onde passearemos todas as manhãs e ao entardecer. Ali, na praia, desenharemos passos lado-a-lado na areia e bem junto ao mar que os arrancará para si pela espuma e pelas algas que as ondas trazem consigo, fazendo deles um tesouro que percorrerá o mundo inteiro no maior esplendor de azul. E existirão instantes em que não resistiremos a um abraço, a um beijo

A liberdade, a traição à liberdade e o retirar da roupa

Desço a Avenida da Liberdade de braço dado com os meus pais em direcção ao Parque de Estacionamento do Parque Mayer, cruzando-nos com uma carrinha da polícia que faz a troca do agente que garante segurança à porta da Embaixada de Espanha; e vemos passar à nossa frente, uma metralhadora com um ar muito desagradavelmente sofisticado. Já no interior do Parque, os meus pais recordam, teatro a teatro, as revistas que viam por ali quando vinham de visita a Lisboa, e invariavelmente acabam a falar de uma célebre, “Mostra-me a tua piscina”, a que assistiram no Capitólio num tempo em que a revolução de Abril tinha permitido retirar “oficialmente” a roupa das coristas, e ninguém levava a mal os borrifos de água que chegavam à plateia sempre que elas mergulhavam numa piscina montada no palco. Já conheço a história que eles temperam de um misto de espanto, algum escândalo e muito riso, mas também já espero que eles a contem sempre que passamos por ali como “gravura” de um tempo em que Lisboa

Eu amo-te com a infinita convicção de que jamais te deixarei partir

Revejo-me na foto que está em cima da cómoda da casa da Tia Carlota e do Tio Joaquim. Foi tirada no dia do casamento deles, 1 de Outubro de 1972, e eu estou de mão dada com o meu irmão junto aos noivos no altar da Senhora da Conceição, em Vila Viçosa. Eu tinha seis anos, a foto é a preto e branco mas eu recordo-me que os meus calções de veludo eram da cor do laço de cetim com uma pérola que levava sobre a camisa branca, e eram num tom bordeaux . Pela memória, e muito mais pela vontade, nós insistimos e pomos cor sobre o preto e o branco de muitos dias, na forma de uma muito marcada esperança com que enfrentamos o que nos dizem ser as inevitabilidades da vida; e hoje eu acredito que o Tio Joaquim irá melhorar e tento que ele também acredite pela forma como lhe sorrio. Mais tarde, quando o dia segue pela coerência de um triste tom de cinza, eu viajo no carro com os meus pais. Vamos de regresso a casa e de encontro a um chá que nos aqueça, conversando e sobrepondo os planos das fé

Basta uma só palavra para matar todos os silêncios do universo

Ontem depois do jantar e aqui na mesa da sala, eu e o meu sobrinho João fizemos uma sementeira de coentros, colocando as sementes num cartuxo próprio e sofisticado que a minha amiga Teresa Lopes me ofereceu como presente de Natal. Regámos e esperamos agora que junto à janela da cozinha possam nascer os temperos que acompanharão os alhos na festa das nossas açordas. Depois, mais tarde, adormeci ao som da chuva a bater forte na vidraça com o impulso de um vento de uivos prolongados e intensos de onde às vezes a imaginação consegue retirar palavras que contam histórias. Mas a noite levou o vento e está muito calma a manhã que trouxe com ela um nevoeiro que não deixa ver quase nada para lá da vidraça; não há árvores, verde, o mar ao longe, e a janela é agora um enorme espelho onde me vejo a mim e vejo tudo o que o pensamento permite, que essa é a vantagem que colhemos dos instantes em que os olhos vêem pouco. E a revisitar papéis, cedo esta manhã, encontrei algo escrito por mim e

Com compras, sem preços de saldo, enervado, a baixar o volume do telemóvel… e com vontade de fazer “ensaladilla de gambas” para o almoço de amanhã

Sair do trabalho às 15 horas de uma Sexta-feira e ir fazer compras para o El Corte Ingles para aproveitar os saldos é definitivamente uma doce ilusão. Em primeiro lugar porque os saldos são uma festa que as lojas organizam para juntar anorécticos e obesos, e em que nós, os dos tamanhos médios (e perdoem-me a relatividade e o bom gosto da expressão… e nem sequer vale rir), ficamos à porta sem direito a constar nas “guest lists”; agarrados às prateleiras e aos preços sem descontos e pré-depressão da “Nova colecção”. Já não estando muito bem-disposto por esta descoberta, pior fiquei quando descobri que eu por ali e àquela hora resultava numa combinação demasiado contra-natura; é como entrar num mundo que por estas horas não nos pertence, dominado que está pelos reformados e idosos, que à falta de bilhetes para irem assistir às gravações dos programas do Fernando Mendes e da Júlia Pinheiro, foram para ali passar a tarde. Todos os sítios servem para as suas tertúlias… À frente da

Benefícios de um poeta em contramão na madrugada de um dia em que não te verei

O drama do poeta é o abismo imenso entre o amor que o tempo permite que vá sonhando e desenhando em si, e a realidade amarga das muitas noites em que só a almofada do outro lado da cama parece querer atenuar-lhe a solidão. O benefício do poeta é o convívio tão próximo, despudorado e tão íntimo com este amor perfeito, que quando um dia ele finalmente chega e se concretiza dando nome e rosto ao outro lado da cama, não são necessárias averiguações extra ou mesmo quaisquer apresentações. Chegou. E os poemas são palavras que como coloridos pedaços de linha de seda preenchem o desenho dos dias passados quase sempre algures entre o drama e o usufruto do benefício, ao ritmo das vantagens de um e outro na expressão real do que é afinal viver. O dia hoje amanheceu de chuva, mas por ti e apesar da saudade, eu não hesitei nunca em pintá-lo com as palavras que fui buscar ao recanto da minha paleta  que tem as melhores e mais intensas cores. Eu e o céu que tomou de mim a vontade e desenh

Um beijo e essa casa que faz nossas todas as estrelas que brilham na noite em que o luar generoso não se cansa de nos alumiar

Na história de todos os nós, há instantes que rasgam socalcos, degraus gigantes de uma escada informal e inesperada que nos permite chegar ao cimo da mais alta montanha, aquela que tantas vezes e de longe apelidámos de impossível. Socalcos como canteiros generosos enfeitados de flores, cores e aromas, para que a subida seja toda ela um prefácio da festa maior de chegar ao topo. E há fontes de onde jorram palavras, tal qual água fresca para o alento de jamais sequer pensar voltar atrás. E há o teu corpo como um perfeito bordão. E há lençóis tecidos de abraços, como relva à sombra de árvores de folhas generosas onde podemos descansar e nem sequer temer algum tropeção maior que nos perturbe o caminho. Na história de todos nós… Haverá um abraço inesperado como o nosso na timidez de uma tarde entre palavras escritas, um instante apenas e de quase primavera de onde nasceu a rota feita de socalcos por onde sigo pelos dias, e contigo, montanha acima. A alegria de nunca me senti

Olhar para trás e… sorrir ou “matar”

Parado num semáforo vermelho à entrada de Lisboa, eu dou conta que no carro à minha frente há um condutor que aproveita aqueles segundos de descanso para se virar e brincar com uma criança sentada na cadeira colocada no banco por detrás dele e da qual eu só consigo ver a parte superior do encosto. Sorrio inevitavelmente pelo impacto da imagem que tenho à minha frente e os nossos olhares acabam por se cruzar, o meu e o do homem que reparando que eu estou assim a sorrir, me responde com o acenar de um olá. O semáforo passa depois a verde, nós arrancamos em direcção aos destinos que nos colocaram ali naquela tarde da cidade; e no rádio do meu carro escuto Amália à conversa com João Ferreira Rosa antes de interpretar o fantástico “Foi Deus”. Às vezes o nosso nervoso miudinho induzido pelo trânsito, o mau humor de horas com quilómetros de filas, “tropeça” assim em gestos que resultam em sorrisos e nos adoçam o humor feito de tantos pensamentos e tantas palavras com elevado grau de u

Imbatíveis… Sim!

Num destes dias correrei veloz em paralelo a todas as linhas que a vontade me desenhar nos dias, e cruzarei para ti num passe teleguiado que voará sobre todos os “adversários” e obstáculos, acabando por cumprir o objectivo de nos pôr a festejar como que por entre o eco inesquecível de milhões que gritam “golo”. No final, o resultado será goleada a nosso favor e seremos coroados campeões do mundo, recebendo um prémio que terá o valor inesquecível de uma Terra em tons de ouro, enquanto as orquestras afinam hinos e a História inscreve os nossos nomes na galeria dos imortais. E neste jogo não se cruzam só esféricos, cruzam-se sonhos, amores, palavras, vontades… Que de tudo isso se compõe a vida. E os “golos” às vezes são só um sorriso ou um abraço. Cristiano Ronaldo foi ontem eleito pela terceira vez o melhor jogador de futebol do mundo, do mundo da bola, provando que ter arte, querer e trabalhar muito são os ingredientes perfeitos para ter sucesso. Falou em Português para ag

Like a virgin…

Numa montra da Rua da Misericórdia, do lado esquerdo de quem desce para o Camões; entre almofadas em forma de sardinha, imagens de Santo António de todas as cores e ímans que representam os eléctricos amarelos da Carris, há uns chinelos de lã feitos à mão que nos apetece importar directamente para os nossos serões de inverno. Do alto do restaurante ao cima da “sétima colina”, em São Pedro de Alcântara, desfruta-se de uma privilegiada vista para a Graça, a Sé, o Castelo, e para uma muito generosa nesga de Tejo… A partir da aparelhagem do restaurante, o “ Like a Virgin ” da Madonna inunda toda a sala. Uma versão num tom mais intimista que a original mas que mesmo assim não impede que ressuscitemos a ousadia que herdámos desta música e dos eighties … a ousadia e os sonhos… Enquanto escutamos a música tu lês uma carta de amor que te escrevi ainda hoje pela tarde, e eu olho-te para ver muito mais do que apenas Lisboa, para ver afinal o meu mundo, e o mundo inteiro que tu guardas em

O meu amor…

O meu amor mora entre os teus braços naquele exíguo espaço definido pelo eterno impulso de fundir o meu com o teu respirar… O meu amor tem o aroma das palavras que se soltam entre as memórias do rosmaninho e dos juncos que colhemos nas tardes passadas à sombra das glicínias… O meu amor tem os contornos perfeitos desenhados pelos nossos passos entrelaçados sempre que saímos juntos para namorar pelas ruas e calçadas de Lisboa… O meu amor é da cor do Tejo naquele tom azul com que o incendeias ao sorrir, por bênção do teu olhar… O meu amor tem o sabor doce dos beijos que colhemos da noite e de todos os instantes passados com a cumplicidade do luar… O meu amor tem o toque suave da tua pele, da infinita festa que nasce do impulso de carícias a que se entregam os nossos dedos… O meu amor não é longe, não é perto, não é tarde, não é cedo… o meu amor é o tempo todo no espaço perfeito e infinito da eternidade… O meu amor é o côncavo e o convexo, o par e o ímpar, o branco e o pret

O tempo semeia sempre saudades de quem importa

Existiu um tempo em que éramos imensamente felizes, talvez sem termos bem a noção de que nunca mais voltaríamos a ser felizes da mesma forma, e tão felizes assim. Comíamos cachorros quentes entre os despojos das manjedouras no bar do velho liceu enquanto sonhávamos o nosso mundo, tocámos viola e cantávamos canções nos sítios onde o cinzentismo de antes as proibia, rezávamos com a cumplicidade das árvores, dos cheiros e das flores do campo, ousávamos falar de amor e de um mundo diferente dissecando as letras dos Pink Floyd, jurávamos eterna fidelidade a nós e a uma fé tão colorida quanto a nossa idade… Ríamos muito e como se não fosse existir qualquer mais pequeno amanhã. Às vezes juntávamo-nos para juntos encenarmos peças de teatro que levávamos à cena sem qualquer receio, pois na plateia, como na vida, tínhamos os olhares aplauso dos nossos pais; e nunca nada poderia correr menos bem. E esses olhares de onde víamos brotar o amor que nos abraçava intensamente nos dias em que

O aroma das rosas persiste sempre entre os dedos muito para lá do instante em que as pétalas voam

Nem a proximidade do Atlântico tem conseguido contrariar o destino gelado das manhãs dos últimos dias. O edredão é um refúgio memorável que nem um só pêlo da barba despreza até àquele terrível momento em que o despertador induz a razão e nos faz acelerar para o inevitável duche; destino onde até não se está mal depois da água quente começar a chegar vencendo a congénere gelada que passou a noite nos canos e nas paredes lá de casa. Depois… as torradas, o copo de leite, o café, a mochila ao ombro, a confirmação do que há nos bolsos, o sair de casa, o elevador, alguma conversa de circunstância com os vizinhos, e a porta da rua a revelar uma brisa só comparada à que recordo de Vila Viçosa quando a geada matava o verde do jardim para nos dar a ilusão da neve. Ajeito o sobretudo e o cachecol com as mãos e a mesma genética que antes puxava para cima a gola de pele do capote castanho para melhor resistir ao frio que a caminho do velho liceu sempre se cruzava comigo no Terreiro do Paço.

Je suis Charlie

O terrorismo motivado por extremismos de natureza religiosa é o cuspo dos imbecis sobre a face de Deus mais próxima de nós: os outros Homens. Fazer-se juiz da atitude dos outros condenando-os irreversivelmente à morte é substituir-se a Deus, matando assim a sua divindade e dando-Lhe um estatuto humano equivalente ao nosso. E negar a divindade de Deus é trair definitivamente a própria fé. E nunca, mas mesmo nunca, é admissível ferir ou matar a liberdade de cada Homem expressa pelas múltiplas linguagens ao seu alcance. A liberdade e a diversidade são provas da riqueza da humanidade, e para quem tem fé, são motivo para louvar a Deus. O crente que não for um Homem ao serviço da liberdade é definitivamente um hipócrita. Os acontecimentos de hoje em Paris são pois a mutilação de Deus e são também e infelizmente, o epílogo natural da história recente de uma Europa que trocou valores como a liberdade, pelos valores expressos em Euros nas bolsas e nos mercados. Há muito que deveria

Algumas notas soltas

Perante uma suspeita, a presunção de culpa é tão legítima quanto a presunção de inocência. Enquanto os militantes e simpatizantes dos partidos políticos defenderem tão cegamente os da sua “cor”, a política será o biombo mais opaco e eficaz onde os corruptos procurarão abrigo. A suspeita de corrupção combate-se fazendo prova de honestidade, e nunca pelo refúgio na lamúria e divagação sobre supostas perseguições de natureza ideológica. Um preso político é alguém perseguido pelas suas convicções ideológicas contrárias ao do sistema vigente. Em Portugal e na política actual, a direita e a esquerda são substantivos, muito mais do que adjectivos, pelo que perseguições, se existirem, não são “batalhas” de natureza ideológica, são guerras de cartéis na luta pelo poder numa vertente muito mais económica do que política. Gente séria e honesta que a determinada altura da vida tenha que solicitar ajuda financeira a amigos e conhecidos, não faz vida de luxo e não viaja em classe executiva

Gosto da estrela…

De tudo o que envolve a história da epifania confesso que é a estrela aquilo de que mais gosto. Um detalhe do céu que abre uma rota entre o oriente e Belém, uma estrada revelada aos Reis Magos portadores de ouro, incenso e mirra: Belchior, o ouro que celebra a nobreza de Jesus; Gaspar, o incenso que assinala a sua divindade; e Baltasar, a mirra, erva amarga que sinaliza Jesus como um Homem e se constitui como premonição para o sofrimento que o irá atingir enquanto tal. Uma história tecida por fragmentos de muitas lendas costurados ao longo dos séculos, muito mais do que por qualquer evidência expressa nos textos sagrados. Não é verdade minha querida amiga especialista teóloga Manuela Silvério Barreiros? Gosto da estrela… E gosto da noite em geral por ser a portadora daqueles instantes em que nada se interpõe entre nós e o pensamento, e os impossíveis definitivamente se apagam. Tudo pode ser nosso sonhado na vígil contemplação das estrelas do céu: abrem-se rotas, acertam-s

A herança doce dos poentes

Quem se ama jamais teme a intimidade promovida por um pôr-do-sol, quando a pele e os olhares se namoram efusivamente e esvaziam qualquer importância e protagonismo que possam ter todas as mais inspiradas palavras de amor. O sol ateia o horizonte de um despudorado rubor enquanto morrem capas e tabus na festa de sermos nós mesmos… E vendo-te assim na “nudez” que te revela mais do que perfeito, eu não consigo nunca deixar de pensar que todos os meus dias tiveram o impulso da esperança de te encontrar. E no abraço a que nos entregamos eu descubro um sibilino propósito em todos os aromas de flores que me foram oferecidos pela primavera e todas as estações. O teu aroma num abraço que é uma definitiva chegada. Nós merecemo-nos e merecemos este instante que se sobrepõe a tudo o que às vezes parece separar-nos, este momento roubado ao desejo e que insufla vida para dentro das nossas histórias. Este instante é a minha suprema sorte e tu és o amor perfeito que cruzará comigo todo o

Retalhos e histórias

Quem guarda objectos sem qualquer valor que não o afectivo, mais cedo ou mais tarde, arrisca-se seriamente a ressuscitar histórias e os seus respectivos protagonistas. Em fim-de-semana de arrumações aqui por casa casa deparei-me com os meus cartões de há exactamente trinta anos, “festivalmente” falando, numa altura algures entre o “Silêncio e tanta gente” da Maria Guinot e o “Penso em Ti” da Adelaide Ferreira, quando vim para Lisboa. O Passe Social onde colocávamos os selos autocolantes comprados mensalmente ainda tem o de Abril de 1992, o último, mas a foto a preto e branco reporta exactamente a 1984: sem barba, óculos de metal, um penteado de risca ao lado, e uma camisa às riscas (já nessa altura…) mas ainda de uma minha fase pré-Porfírios. Entre o elevador da Glória, o Metropolitano entre o Restauradores e o fim da linha, em Entrecampos; ou o autocarro 32 para subir a Avenida das Forças Armadas, não sei onde é que mais vezes mostrei aquela face dos meus dezoito anos. O car