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A mostrar mensagens de setembro, 2012

Ditados - Versão Século XXI

Integrando-se na onda reformadora que nos atingiu neste começo de milénio, na qual se integra o polémico e mediatizado Acordo Ortográfico, e antes que a Troika nos obrigue a faze-lo, tal como aconteceu com a revisão do número nacional de feriados, o Pomar das Laranjeiras toma a iniciativa de apresentar uma proposta de revisão dos Ditados Populares. A nossa nova realidade impõe claramente este revisitar dos princípios orientadores da nossa cultura e filosofia populares: ü   Político que roube a nação tem mil anos de perdão; ü   A culpa morreu solteira… mas andou amancebada com um político; ü   A eleição faz o ladrão; ü   Burro velho, por Decreto e só como o Relvas aprende línguas; ü   Cada um sabe tudo de si e a Merkel sabe de todos; ü   Contra factos, o político tem sempre argumentos; ü   De boas intenções… está o Parlamento cheio; ü   De doutor e de louco todos temos um pouco… e o Relvas também; ü   Diz o roto ao nu: o Gaspar quase me deixou como tu; ü   Abril

Restauro à Espanhola

Há alguns meses, Cecília Gimenez, uma octogenária espanhola, paroquiana activa de uma pequena localidade nos arredores de Saragoça, achando-se com dotes de artista, resolveu “restaurar” um famoso e valioso fresco existente na sua igreja, datado do Século XIX e representando o rosto de Cristo. O resultado do seu trabalho situa-se nos territórios da caricatura e pode dizer-se que a intervenção ainda conseguiu estar muito para lá das bombásticas plásticas da Manuela Moura Guedes. Ontem, ao conhecer os resultados da execução orçamental relativos ao primeiro semestre de 2012, entre deficits, PIB’s e demais instrumentos e escalas de avaliação do estado da nossa economia, lembrei-me da Cecília Gimenez. É um facto de que o país estava a necessitar de uma intervenção e de um restauro, mas os artistas que tomaram em mãos esse trabalho, sobre as ordens e o mecenato da Troika, seguindo uma cartilha teórica e experimental que tem a forma de um memorandum ao estilo das instruções do IKEA (“

Os boticários

Quando com vinte e quatro anos saí da Faculdade, tive o privilégio de ir exercer a minha profissão para uma Farmácia no centro de Lisboa. Por ser o único homem no universo de muitas mulheres farmacêuticas, soube desde as primeiras entrevistas de que me estariam destinados os Serviços Nocturnos, e assim, de repente, eu, um jovem alentejano “emigrado” na cidade, passei a dispensar saúde por um postigo muito estreito que, apesar disso, garanto-vos, era a melhor janela sobre a noite de Lisboa. Durante quase dois anos, entre caixas de medicamentos mais ou menos urgentes, muitas seringas e muitos apetrechos para garantir o sexo seguro, saboreei esse gosto inesquecível de exercer uma profissão que se insere no âmbito do maior valor reconhecido por todas as pessoas: a saúde. Apesar de ser um especialista na dispensa de fármacos, cedo diagnostiquei entre as receitas, as informações de toma e os trocos, que a solidão dos tristes na noite da grande cidade, é um decisivo catalisador de tod

Outono

Está renitente o Verão em ir embora, atacando com graus de temperatura a rondar os trinta, mesmo quando o calendário confirma que o Outono já chegou e que só o próximo e longínquo Junho nos devolverá à magia da estação do nosso encontro favorito com as férias e o mar. Mas não se importa o Outono com os graus extra deste encore do Verão, pois do sol faz uso para amadurecer e tornar mais doces os marmelos, e também para nos encher de cor e brilho, os dias da colheita das uvas que são prenúncio de bom vinho quando Novembro nos trouxer as castanhas para juntos brindarmos a S. Martinho. Está chegada a hora de eleger e apostar nos melões a pendurar em rede de ráfia por cima das mesas onde brilharão os tons laranja dos dióspiros maduros, para que atravessando os Santos, os Finados, a Restauração e a Padroeira, nos possam dar o prazer do sabor a Verão na noite da consoada. Em breve se encolherão definitivamente os dias, fechar-se-ão os toldos e os chapéus nas esplanadas dos cafés e do

De cócoras a perder a guerra

Berlim é uma cidade distendida, repleta de árvores em jardins e praças, de onde emergem em são convívio, os edifícios com história e os edifícios candidatos a entrar na história da arquitectura pela mão dos melhores arquitectos do planeta. O muro, recordado hoje por uma linha em pedra que sobressai do asfalto, caiu há muito quando parecia querer erguer-se na Europa, a esperança de um tempo novo. O táxi avança e o motorista, recrutado agente de propaganda da penitência alemã, concentra a conversa em redor dos monumentos que traduzem o assumir da responsabilidade da sua pátria no extermínio dos judeus, preocupado, obstinado mesmo, em que registemos o arrependimento do seu povo. A penitência, esculpida em pedra pela arte de grandes artistas, uma atracção turística da nova Alemanha. Logo após o Bundestag com a cúpula de Norman Foster, aparece-nos à esquerda a chancelaria com a sua inacreditável forma de uma gigantesca máquina de lavar. O taxista aponta o dedo e afirma: - Aqu

15 / 09 / 2012

Povo sem cor ou de todas as cores, somos muitos numa maré de gente levantada sem medo, a querer e a lutar forte pelo respeito e defesa da sua dignidade. Heróis sem nome e sem idade. Heróis, filhos e netos, legítimos herdeiros das progenitoras madrugadas de todas as canções da liberdade. Gente de paz mas Homens de firmeza e coração guerreiro, almas tornadas uma só, no não gritado à tecnocrata cegueira e à desumana imbecilidade e inconsciência dos donos do poder, passado e presente, insuportáveis e desprezíveis ilustrações vivas dessa dicotomia entre a força do ter e do vil metal e a fragilidade confrangedora da mais absoluta ausência de carácter. Gente sem medo que oferece o rosto ao sol do dia quando grita por pão, combatendo as infinitas e cúmplices teias nascidas das subterrâneas e envergonhadas Lojas de venda e partilha de interesses e poder. Gente que sabe o que quer, e sabe e não teme, dizer não. Enraizado no sonho, viemos aqui carregados daquele querer que faz mudar a

A vingança das cobaias

Com a ajuda de morganhos, ratos, cobaias, rãs e coelhos, não existiu medicamento que eu deixasse por estudar, nas aulas práticas de farmacologia que compunham o curriculum académico do curso de ciências farmacêuticas que frequentei e concluí há muito, ainda no tempo em que os diplomas se obtinham por mérito e trabalho, através da frequência de aulas e aprovações nos exames. Experiências a bem da humanidade e que afortunadamente, e na maioria dos casos, também não punham em risco a saúde e a vida dos animais. Numa caixa de madeira e de cabeça de fora, o coelho depois de rapado o pelo, oferece uma veia que contorna toda a orelha e que é fantástica para a administração endovenosa de fármacos. Esta semana, com ar de cientista louco, o nosso Ministro das Finanças anunciou medidas de austeridade e justificou a sua implementação pelos bons resultados conseguidos na utilização de vários modelos experimentais, e assim, de repente, eu e todos vós, saltámos para os tubos de ensaio e retor

Poder pelo terror

Há onze anos, ao começo da tarde de 11 de Setembro, parei no hall de um hotel em Berlim para assistir em directo pela televisão, à queda das torres gémeas do World Trade Center de Nova Iorque. E logo em Berlim… Se no começo da última década do Século XX se sonhou na cidade reunificada com a queda de todos os muros e com uma herança de paz para os anos de dois mil, esse terrível amanhecer de Manhatan, cedo no Século XXI, nos transportou para o território dos pesadelos e nos matou a esperança. Pior do que alguma vez se ousou imaginar, a guerra chega de forma inesperada e atinge e mata inocentes em actividades tão simples como uma viagem de avião ou uma chegada ao escritório. E mata aos milhares, e diz-se, que em nome de Deus. Jamais compreenderei as guerras de motivação religiosa. As religiões, por influência da cultura, são expressões diferentes do essencial que é a fé, e nesse essencial que a todos une, o Deus em que acreditamos, exprime-se pela vida de todos os Homens qu

Vai a ginja?

Não tem e nunca terá segredos, esta casa sem paredes mas que é lar de afectos, casa nascida do conforto do encontro dos olhares com nome, que se entregam e se entrelaçam pela cumplicidade das histórias partilhadas, na teia que faz nascer a festa. A festa de todos, e a festa de cada um. É sempre assim quando é Setembro e os arcos de luzes nos apontam os caminhos no velho Largo dos Capuchos, em Vila Viçosa. Foi assim mais uma vez este fim-de-semana. A Banda Filarmónica União Calipolense tocou ontem no coreto e inovou no reportório, reinventando as canções de António Variações. Inovei eu, e pela primeira vez na vida bebi um “Caipi Melão” (Caipirinha com sabor a melão), que não esteve nada mal para abrir a noite. Mas porque há coisas que nunca podem mudar, rapidamente me acerquei da roulotte da Rosa Maria para me entregar aos devaneios de uma fartura, de boa dimensão e adequada mistura de açúcar e canela, que me confortou o corpo e a alma. É que, não fosse a fartura, e o conf

O enterro da classe média no panteão do liberalismo

A partir de Janeiro de 2013, o meu recibo de ordenado traduzirá uma repartição equitativa entre a verba destinada ao Estado e a verba que ficará disponível para eu gerir. Se pensarmos que dessa quantia que terei disponível, obrigatoriamente irei pagar os impostos sobre o consumo, as portagens, as taxas moderadoras, o imposto sobre imóveis, a taxa de radiodifusão, a taxa de esgotos… poderemos facilmente concluir que trabalharei para que o Estado viva, restando-me, na melhor das hipóteses, a oportunidade de sobreviver. E nesta supremacia do estado sobre o cidadão, é fácil observar a morte do liberalismo. Passos coelho anunciou ontem a nacionalização das nossas vidas, o regresso ao comunismo, o Gonçalvismo revisitado 37 anos depois do verão quente. E tudo para salvar o emprego? Mentira. Salvar-se-ia o emprego se os nossos empregadores fossem empreendedores e carregassem um espírito altruísta, coisa que não são, empenhados, isso sim, na construção dos seus impérios individuais.

Capuchos 2012

Com as cumplicidades do azul, confluência de Tejo, mar e céu, pela ponte me faço ao sul, não em busca de uma “Trovante” 125, mas da A6 que me traz de volta ao Alentejo, por entre sobreiros, olivais, vinhas e alguns muito espaçados choupos, único vestígio das ribeiras que o verão matou. É fim-de-semana de Capuchos e chego para dizer: presente, quando se acenderem as luzes do arraial no velho largo fronteiro ao convento que em Vila Viçosa dá nome às festas anuais. Sei que amanhã e nos dias seguintes, não me despertarei com uma Banda Filarmónica a passar à minha rua, daquelas que com um efeito semelhante ao de uma mola eficaz, fazia a vizinhança saltar para as janelas e varandas, partilhando os tons dos pijamas e os ares ensonados. Já não haverá tômbolas e quermesses de venda de rifas em papel picotado, daquelas que colocavam os mais sortudos a passear no arraial com coelhos, galinhas ou patos vivos. No canto do Largo que fica junto à fonte já não verei a vedação para o baile ba

Festas de verão

Para além de adorar bacalhau e de nunca resistir a comê-lo acompanhado por um copo de bom tinto, de sofrer com a saudade, de gostar de fado e de reconhecer uma deusa em Amália, de ser do Benfica e sentir tristeza por nunca ter presenciado um golo do Eusébio, de ir frequentemente a Fátima por fé e convicção, eu, de corpo inteiro, Português me confesso: adoro festas de verão. E este ano, não sei se por temer que os nossos “Troikos Credores” coloquem sobre as ditas as frases que insistem em colocar sobre todos os nossos prazeres: “Liquidação Total”, “Falência” ou “Encerrado”; fui a todas quanto pude. Depois do carro estacionado nos improvisados parques de terra batida onde as matrículas portuguesas estão em minoria, perdendo por goleada para as francesas, suíças e luxemburguesas, activei o meu GPS Festas Populares, herdado dos anos 80 e armazenado na memória, e deixei-me seguir em direcção à igreja iluminada (ao estilo Trio Odemira), procurando o rasto dos aromas de frango assado no

Fado, pedra e lua cheia

Sei de um rio... A guitarra portuguesa uniu-se aos grilos e às cigarras, banda sonora de uma típica noite de verão alentejana, para convidar a voz de Camané à perfeição do canto maior da alma portuguesa. Como em qualquer viela de Alfama ou Bairro Alto, em Vila Viçosa, no fundo da Pedreira D’El Rey entre o mármore e no ventre mais ventre da terra lusa, o fado provou ser o que é desde sempre, a expressão fiel do nosso mais pátrio e próprio sentir. A lua cheia, cúmplice fiel e maior dos amantes, indutora das sombras mágicas e oníricas das nossas noites perfeitas, uniu-se-nos à alma e brilhou intensamente no silêncio que os muitos ali presentes, quisemos oferecer ao fado. O silêncio da nossa rendição à própria alma. E de amores, de vida, de encontros e de nós, se fez o canto que fluiu palavra a palavra na expressão da arte dos poetas. Do princípio e até ao fim. Sei de um rio...

Uma régua e a vida

Na casa que foi sempre sua, estou sentado num longo banco de madeira nascido da sua arte de carpinteiro. Há algum tempo tirámos-lhe a custo a tinta encarnada que o cobria e fizemo-lo regressar ao sítio onde sempre esteve e onde foi ao longo dos anos, o assento preferido por mim e por todos os meus primos quando em visita a este rés-do-chão simples e pequeno que era a casa dos nossos avós. Hoje, já não tem vista para o poial dos cântaros e dos alguidares de barro, já não serve para que descansemos enquanto observamos a nossa avó Natividade a fazer os mais fantásticos pastéis de massa tenra do universo… Hoje, tem a melhor vista para a minha colecção de presépios e tem sobretudo esse mágico condão dos objectos da nossa história: a indução das doces e melhores memórias. Do meu avô Francisco, para nós o avô Chico, mestre de carpintaria, herdei uma infinidade de boas lembranças, daquelas que são únicas dos bons avós, para lá do nome e da… teimosia, ou a arte de levar as convicções ao