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A mostrar mensagens de maio, 2016

Vila Viçosa

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Acordo eu e comigo as mais recônditas lembranças que me beijam, todos colhendo bênçãos das badaladas solenes do relógio do Paço que às sete horas já chegam tarde para desfrutar do afinado chilreio dos pardais na árvore que ladeia a minha janela e de cujo tronco se perdeu na idade. Ainda sou tanto e quase tudo desse rapaz que aqui persiste eterno entre o eco da água das fontes que se soltam de uma imensa “Arca de Água”. As pedras da calçada de séculos onde brincaram os avós conhecem o ADN dos meus passos, palpam-me a pressa, pressentem-me a paz e repetem comigo em coro os sonhos todos que um dia lhes segredei entre a carícia do berlinde ou o rodopiar de um pião. Reconhecem-me marinheiro no jeito de tanto querer o mar, e talvez os poetas sejamos todos esses seres de coração em forma de vela latina e sem medo de naufragar. Há rosas a espreguiçarem-se pelos canteiros, colou-se à cal, o aroma do mosto na Travessa do Belhuca”, há giesta em jeito de filigrana pela encosta do Cas

Corpus Christis

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Esta foto foi tirada na tarde de 21 de Junho de 1973 na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, imediatamente após a procissão do Corpo de Deus. Foi o dia da minha primeira comunhão e tenho um diploma assinado pelo celebrante, o saudoso Padre Joaquim Reia, tenho uma edição dos Evangelhos e uma medalha que foram oferta da minha catequista, a queridíssima e inesquecível D. Mimi Lisboeta. A túnica branca era emprestada a todos pela paróquia e apagava assim as diferenças com que nos vestia a condição de cada um. Juntámo-nos de manhã na Igreja de São Bartolomeu e saímos depois para a Igreja de Nossa Senhora, no Castelo, dois a dois e de mão dada, sendo meu inevitável companheiro de percurso o Manuel. Quem mais poderia ser? A fila era imensa e atrasava-se sempre porque um de nós os dois perdia os sapatos e tinha de se agachar para voltar a calçá-los. Nós crescíamos rapidamente e as mães compravam sempre os sapatos com alguma folga. Depois da missa fomos todos até

São as tardes dos dias da liberdade...

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Nas tardes quentes de Maio, os poetas brincam sozinhos pelo campo entrançando os gestos, o olhar, e o tudo da sua liberdade com as papoilas que insistem em romper a previsível quietude das searas que o vento namora. Os poetas são assim, solitários mas irmãos de todas as flores; são náufragos heróis buscando as ilhas, a alma à superfície resistindo às marés cinzentas da sensatez e da aparência. Mas às vezes nessas tardes quentes de Maio, enquanto o sol brinca com as cidades enfeitando-as de luz intensa e mágicas sombras, os poetas têm amigos que chegam de perto ou de longe trazendo olhares carregados de mel, para com milhares de abraços construírem tendas onde as palavras ressoam perfeitas e com ar de festa. São as tardes dos dias da liberdade e os amigos dos poetas trazem consigo a poesia no açúcar que se lhes desprende dos olhares... e dos abraços.

Ouro sobre azul, e às vezes também azul sobre o ouro…

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Ouro sobre azul, e às vezes também azul sobre o ouro numa manhã que Maio foi acendendo até à luz clara e intensa da melhor primavera. Que importa a ordem dos factores, dos tons, das cores... se de tudo se compõe afinal este céu que somos nós. O céu será sempre a nossa liberdade, uma rua onde os passos e os gestos nunca tropeçam na contradição para se estatelarem depois na infeliz banalidade. O céu é este beijo que nunca se atrasa porque o instante em que tu chegas é sempre a hora certa. O céu tem paredes desenhadas com as letras de um poeta, o traço louco de um qualquer artista. O céu é um assento esculpido na pedra na margem do rio, é um rito profano, sagrado, é um sim, um não, a coerência de um ponto de vista. O céu é um libreto, a música, a encenação, um concerto, a voz. Ouro sobre azul? Ou o inverso? Mas o céu somos sempre nós. Até amanhã, para voarmos juntos!

O teu abraço salva sempre os malmequeres...

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O teu abraço salva sempre os malmequeres; que notícias de outro fado ou outra sorte teriam eles para me contar? Quando a nossa pele se entrelaça e os seus detalhes mergulham num só aroma; quando a racionalidade tropeça, repousa e adormece no leito de linho que a alma lhe fez; quando os sentidos soletram desejo a desejo, as emoções... nós agradecemos sempre a esse doce e intemporal abraço, a explícita festa de um querer isento de qualquer ciúme. E não importa o que rezem os oráculos, a história, a experiência, tudo aquilo que a gente disser... A verdade que mora neste abraço, beijo de corpo inteiro, dá sossego no campo a qualquer malmequer.

As sombras das rosas também são rosas...

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As sombras das rosas também são rosas desenhadas sobre um tempo em branco e só aparentemente vazio. E quando nessa hora o sol nos abraça, a nós e às flores, com raios de sete cores e de infinito, entrelaçamos os dedos uns nos outros e oferecemos à rosa um pássaro que a beija intensamente, enquanto a alma se senta e repousa naquele cadeirão da infância que guardou fielmente para si, assento mágico imperecível ao fluir de todos os dias. Um tempo sem nada é uma parede branca que se predispõe à vontade que carregamos entre os dedos. Assim como o silêncio é tudo e o rio das palavras que nunca morrem para os poetas. O silêncio tão fiel... onde até as sombras podem ser rosas.

Como poderíamos chamar nossos a outros dias que não estes que inventámos?

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Existirá sempre uma pedra algures no caminho que sem querer nos dará um assento informal para repousarmos e olharmos tranquilamente o horizonte. Depois de sentados, uma das azedas que acariciarmos prender-se-nos-à às mãos trazendo o único e exclusivo toque amargo à tarde em que vamos ornando as horas com as muitas palavras que formos inventando. Palavras com sílabas garridas e um acentuado toque e aroma de paixão. Como poderíamos chamar nossos a outros dias que não estes que inventámos? A pedra... Tinha um certo jeito de contrariedade quando a olhámos pela primeira vez, mas serviu-nos para descansar e olharmos juntos o horizonte. Daqui a pouco e quando já formos mais à frente cumprindo a nossa rota, talvez olhemos para trás e lhe chamemos com saudade, a pienha onde os nossos beijos brincaram com as azedas da berma do caminho. E seguiremos os dois neste eterno abraço impermeável ao medo.

Voltaremos sempre àquelas tardes em que plantamos girassóis pela praia...

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Voltaremos sempre àquelas tardes em que plantamos girassóis pela praia. As nossas eternas tardes de meninos. Quando as nuvens nos dão o tom e o mote para as histórias que trouxemos envoltas em papel de memória nas mochilas que o tempo nos colocou aos ombros. Nunca nos importará se a chuva estiver entretida a desassossegar Maio ou outro mês qualquer, nós trazemos connosco nos bolsos as tintas que espalharemos pela areia ao ritmo dos abraços, essas intermitências no previsível, instantes em que nos debruçamos um para o outro, e os dois para o desejo; ilhas de contornos redondos desenhadas algures entre as rotas paralelas que o sonho vai sugerindo aos nossos passos. Ilhas cravejadas de beijos nas nossas tardes que nunca terão nome para poderem ser tudo aquilo que nós quisermos que elas sejam. Detalhes nossos, da liberdade… E ao pôr-do-sol restarão na areia os ecos perfeitos fiéis do tanto que nos queremos… Uma praia cheia de girassóis.

O teu olhar mora na luz das manhãs de Maio...

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O teu olhar mora na luz das manhãs de Maio; um perpétuo olhar, mesmo quando as nuvens rasgam o céu e o tingem do cinza tom da água que insiste sempre em vir matar a sede às fontes. E quando o meio-dia rompe no tempo a clareira para cumprir a dolência com que nos veste o sol a pique na planície que sentimos nossa, eu sei que os teus braços me esperam alinhados na forma perfeita da sesta que nos levará pelo trigo e pelo sonho, fieis seguidores que somos de nós mesmos e da liberdade. As nossas mãos à solta trilharão a rota que o desejo desenhou nos corpos um do outro, linhas secretas e transparentes tatuadas à superfície, na epiderme, pelo querer que mora profundamente em nós, no átomo onde só os poetas conseguem chegar para colherem palavras, rimas e versos. E sabemos que o silêncio guarda sempre os beijos que despentearam o pudor, desalinhando-o sem tréguas até que a brisa fresca que arrasta o rosmaninho nos lembre que já não tardam o serão e o luar. A lua de Maio que rasg

Mãe... e tanto Maio

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Quando o primeiro sol de Maio incendiar a encosta do monte a ouro tom de giestas maduras, eu devolver-me-ei ao teu colo, o meu muito privado e infinito refúgio de carícias. Entre nós permanecerá sempre acendida em flores e frutos, uma generosa primavera, por entre os gestos suaves e as palavras doces que o teu olhar realça sobre o silêncio, detalhes que me pespontam os dias deste amor que me tece. O teu olhar prolonga o ventre e o berço, confunde-me na idade, dilui as estações, apaga as dores, é mestre de vida, alento nos caminhos… E mesmo que o vento às vezes apague o risco rubro informal das papoilas que beijam a seara sobre a cumplicidade ao longe das giestas, eu faço desse teu olhar um alpendre daqueles com tectos perfeitos e de flores para brincar à sua sombra, onde tomarei na pele e na boca os aromas todos da terra, sendo por ti o rei do universo. E de dentro deste amor é tão difícil acreditar que possa existir outro céu, mãe.