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A mostrar mensagens de abril, 2017

A liberdade

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Quando entrelaçarmos os nossos braços, imitando as cerejas, as conversas correrão alegres, e sem cessar, pelas ruas, desapertando o sorriso dos rostos ainda molhados dos meninos. Dizem que há cravos guardados no sol de Abril, que se libertam, vermelhos, às primeiras horas da madrugada, para se misturarem entre as letras todas dessas palavras, chegando aos recantos mais secretos do silêncio, que possa persistir, triste, nas praças e nas vielas da cidade. A música, dispensará outros instrumentos, para lá da nossa voz, e juntar-se-á a este Tejo de canções, um rio sem margens, sem norte e sem sul, um rio de todas as cores, e não apenas azul. Os nossos braços entrelaçados, assim, em poesia enfeitando a claridade, vestirão Lisboa com um tempo novo, sem choro e silêncio, um tempo onde os cravos serão da cor da ponte, e do sol que desponta, em Abril e liberdade.   (Obrigado ao meu sobrinho Luís pelo inspirado desenho)

Os poetas e a Luz

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Nunca conseguirei entender porque colocam o busto dos poetas à porta das bibliotecas. Eles permanecem vivos nos detalhes da alma que deixaram impressos, e que descansam por ali nas prateleiras, abandonados ao pó do tempo. Mais do que as flores colocadas na base polida de uma pedra sob o bronze do seu retrato, os poetas celebram-se em cada palavra que lemos e sentimos nossa. Também jamais conseguirei entender o porquê de ornarmos as igrejas com lâmpadas mais ou menos coloridas, e o porquê de acendermos velas pelos altares. Se Deus é a Luz maior, nós seremos sempre os recetores dessa graça. Ninguém se lembrará de levar um balde de água fria para oferecer ao rio ou à fonte. Sentado junto a uma das mesas da esplanada quase vazia, em frente à Matriz de Ponta Delgada, vou desfolhando a memória e semeando versos que entrego à brisa que passa por aqui, correndo desde a encosta do vulcão, e na direção do mar. Os poetas estão vivos e voam agora com as gaivotas, cruzando a claridade.

A vida é uma imensa festa

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Ninguém se recorda já do nome que lhe deram ao nascer, porque aqui, na terra onde vive, todos o conhecem e tratam por Batata, inspirados no pompom que encima o gorro vermelho que traz sempre na cabeça. O Batata gosta de correr pelo campo nas tardes de primavera, e diz que o mundo é o seu castelo encantado. Tem as árvores como torres e ameias, jarras de flores presas pela raiz, a alcatifa verde que a chuva lhe oferece, e tem um teto azul em dias claros, que se enche de estrelas ao luar, um pouco antes de adormecer. Quem o vê assim acelerado, procurando as ribeiras e as ervas de cheiro, não imagina que o seu pompom, semelhante ao famoso tubérculo, tem poderes especiais. É verdade. Se o Batata o apertar uma vez, aparece uma fada com uma vara de condão capaz de contrariar todos os impossíveis. A fada canta ao amanhecer e desperta os pássaros que ficam encantados com a sua voz. Com a fada Luísa tudo pode acontecer. Se o Batata apertar o pompom duas vezes, aparece o Mago R

O folar doce

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No Alentejo, o folar é doce, como estes dias que inventamos. É doce e anisada, a “erva” que juntamos à massa, em rima com a esteva que aquece o forno e com o alecrim dos ramos de domingo, aquele mesmo alecrim que “prende” os namorados e os padrinhos a um cartuxo de amêndoas, também de açúcar, na manhã de quinta-feira. A avó Natividade atava um lenço branco na cabeça e, á cintura, um avental da mesma cor, benzendo-se por entre o pó da farinha de trigo que ia deixando cair sobre o enorme alguidar de barro. Depois de mais de uma hora em que não dava descanso às mãos, desenhava uma cruz sobre a massa e dizia: - Deus te acrescente. Esta semana não é santa por acaso, mas sim porque a fé transpira do peito da gente. E a massa “deita-se” depois no recanto mais quente da casa, para que “finte” melhor durante a noite, sim, que levede melhor. Bolos fintos, porque no Alentejo sabemos que a fé é o segredo para “driblar” a má sorte. Quando a manhã se enfeita de sol, polvilham-se a

Estes dias feitos de flores

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Mesmo que não cheguemos ao tempo das cerejas maduras, ninguém poderá acusar-nos de não termos vivido intensamente estes dias feitos de flores. Ainda que, à porta do forno, não saboreemos o pão de trigo que o azeite beija de paixão, já teremos guardado todos os segredos trazidos pelo vento, as histórias reveladas nestas tardes em que somos seara verde a espreguiçar-se ao sol de Abril. A idade contada em anos é uma ilusão, porque a vida não é tempo, mas é intensidade e coerência na concretização dos sonhos, até dos mais ousados. Nós trazemos o céu inteiro no olhar, ao contrário daqueles em que o único detalhe de firmamento é o possível reflexo de alguma nuvem que o dia lhes ofereça gratuitamente às lentes. Porque o céu é o todo da alma que se espreita e extravasa no olhar, ao jeito de um herói. O céu é o sonho que carregamos no peito. Ainda que alguém possa dizer que nos falta tempo, nós repousaremos tranquilos, porque não há nada que nos falte fazer. Repousaremos t

OS MENINOS QUE INVENTARAM A PRIMAVERA

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Numa tarde de Março, mas com o tempo já a espreitar Abril, os meninos e as meninas saíram juntos para o campo trazendo na mochila os livros de histórias e um montão de lápis de cor. O céu estava triste, fechado pelas nuvens enormes e cinzentas, e o chão mantinha o tom castanho e seco sem flores que herdara do fim do verão. Chegados a uma clareira, os meninos pousaram as mochilas e puxaram dos lápis, afiando todos os tons de azul, para poderem pintar o céu, e os verdes para que a terra vestisse uma saia plissada dessa cor, como é uso na primavera. Mas nada, os lápis gastavam-se aos poucos, e tudo permanecia na mesma cor. Reparou então um menino, quando dava a mão a outro para o ajudar com as pinturas, que as nuvens se iam rasgando, e o céu até já conseguia espreitar. E quanto deu um abraço a outro menino, o céu já sorria feliz, brilhando na cor do mar. Uma menina que cantou e outra que se riu, repararam que a voz e a gargalhada plantavam relva no chão de Outono, verde