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A mostrar mensagens de setembro, 2015

O céu é esse perfume

Não me peçam que ponha os pés no chão, os dois atados aos grilhões do bom senso e escravos cegos da razão. Para onde eu vou é preciso ter asas, saber voar e não ter medo de às vezes seguir contra os ventos que sopram com a intensidade da voz tenebrosa dos adamastores. O céu é esse perfume de fazer nossos todos os dias, e as asas, as minhas asas, tomo-as dos abraços que vivemos nas tardes junto ao mar... Quando as gaivotas tomam de nós o exemplo, moldam a vontade e não se cansam de voar.

O sol descodificado na Lisboa que amanhece

O sol nasce à minha frente deixando-se despir pelas gotas de chuva que timidamente correm do céu para a cidade.  Prismas informais numa manhã de Outono quando sigo pela Segunda Circular, quando já me despedi do Atlântico e busco o Mediterrâneo para o viver entre as ruas rectas e diagonais, entre as praças octogonais da Cidade dos Prodígios de Eduardo Mendonza, Barcelona. E Lisboa, a cidade mais bonita do universo, despede-se de mim com beijos de uma chuva de todas as cores. O sol descodificado. Há manhãs assim em que o imprevisível nos traz um sol ainda mais intenso e verdadeiro.

Que idade temos...

Que idade temos no instante de cumprir um sonho de rapaz? Talvez todas as idades, ou quiçá sejamos imperadores coroados pelo melhor de todas as idades… O mundo fica aos nossos pés e a rosa-dos-ventos é um detalhe de pedra incrustado num tapete de tijolo que o universo teceu para nós. Trouxemos da vontade e da beira-rio, o abraço que hoje é percorrido pelo vento que ateia de ondas as copas centenárias dos olivos. O mesmo vento que bebe a paz das ermidas semeadas pelos montes mais altos. E que importa o norte ou o sul, se eu estou virado para ti e assim me faço acontecer... Sonhei-te tantas vezes sem saber sequer o teu nome… Depois damo-nos um beijo, e faz-se tão perfeito o universo que até a lua se esconde para nos deixar adormecer.    

Memórias soltas a sobrevoar os Alpes

Jantava muitas vezes em sua casa uma canja que ela enchia de carne migada, porque estávamos a crescer. Depois levava-me a casa atravessando a Praça e parando sempre debaixo de uma laranjeira a que ela fingia encostar-se, mas que efectivamente abanava para que caísse um fruto; e para mim com dois anos as laranjeiras davam "drelin drelins". Ao chegar a nossa casa dizia sempre "boa noute" e ainda tinha tempo para nos aninhar numa nesga de xaile e às vezes adormecer. Quando havia festas nas redondezas íamos ver as "luzinhas", pelos meus anos dava-me uma nota de 20 escudos com a efígie do Santo António e foi ela quem me ofereceu o meu livro favorito de "Os cinco", o número 18, "Os cinco na Quinta Finniston"; nas feiras comprava-me torrão; um dia ofereceu-me um copo com a cara da Madalena Iglésias; e é também muito por mérito seu que eu sou Benfiquista tendo um pai adepto do Sporting. Não se importava com o facto de não ter brincado com bonec

Um “crime” no Expresso do Oriente

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Deixamos Paris e tomamos a rota do velho Oriente Express, que mesmo sem Poirot e sem mistérios, nos deixará muito perto do Pera Palace Hotel , para que dos seus salões de alcatifas cor de mel possamos espreitar Agatha Christie por ali sentada a inventar um crime com tantas punhaladas quanto os suspeitos… e os culpados. Viemos os dois, “suspeitos” e “culpados” pelo querer que por esta altura já construiu um só império celebrado a beijos partilhados por entre o aroma quente do Narguilé . Na esplanada de onde se avista o Bósforo há Baklava de pistacho e romã sobre a mesma mesa onde partilhamos um chá de maçã. Dispensamos o açúcar. Sentimos a lua a acender-se aos poucos e a tornar inevitável um passeio a pé… O grande bazar, o mercado das especiarias, o telhado azul da mesquita, Santa Sofia, a cisterna e… paramos para um gelado preparado por um homem entre toques de sinos e malabarismos. Um gelado com frutos. - You are a lucky man . Confidencia-me o Turco. - Yes, I

Da velha Olisipo a Constantinopla…

Um copo de chá de jasmim que guardei do lanche da véspera e que arrefeceu no frigorífico durante toda a noite; um pedaço de pão torrado untado discretamente com manteiga sem sal... Encosto-me ao móvel da cozinha e entretenho-me a olhar pela janela enquanto tomo o pequeno-almoço. Vejo os últimos detalhes do Tejo, o Bugio, e o Atlântico em curva para o Cabo da Roca, o ocidente máximo da velha Europa. Nem sequer me sento porque pressinto o trânsito complicado até ao aeroporto; e tenho razão, será uma hora e meia de marcha lenta para percorrer dezoito quilómetros. Chego ao aeroporto e embarco para Istambul aproveitando os primeiros momentos da viagem para ler uma reportagem da revista Sábado sobre os refugiados na fronteira da Croácia com a Eslovénia. E sinto… Há lágrimas semeadas no chão que eu sobrevoo hoje para chegar a Oriente. Há muros reacendidos travando o passo de quem busca um pouco de céu e a liberdade. Há a dor lancinante da gente numa marcha lenta onde se perdem

Tudo

Um segundo de onde nada se espera traz-nos às vezes o céu e o infinito no discreto toque de um olhar. Aprendemos a nunca desprezar um instante e a esperar tudo do tempo que o futuro nos reserva. Quem sabe se há um "palácio" no virar da próxima esquina... E o tempo pode ser tudo como nós somos tudo; ousados na intensidade com que vestimos um beijo e em simultâneo conservadores na perseverança de um querer que levaremos connosco pela eternidade. Sentado no aeroporto à espera de um voo para Istambul, escrevo deixando-me levar pela saudade. Da espera, e sobretudo por ti, nascem sempre palavras. O tempo pode ser tudo, nós somos tudo, e até a velha Constantinopla é Europa e Ásia ao mesmo tempo. Vou embarcar.

Uma carta que me transcreve como uma nave solta pelo espaço

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Quando o sol se rende ao ocidente e as luzes se acendem pela cidade, abrem-se no céu páginas em branco que esperam por mim e me desafiam. Ali sentado algures entre os cansaços e a melancolia, envolto pelos silêncios e num certo tom de saudade, pego nas palavras que conheço e reproduzo da alma o sentir, um pouco como se conversasse contigo no lusco-fusco doce do sofá que mergulhou no fim de tarde de Outono. Palavras… uma carta que me transcreve como uma nave solta pelo espaço e que não reconhece limites nem o absoluto, que no instante em que o sol se põe há sempre alguém que está algures entretido a vê-lo nascer. E voo contigo, nessa hora, depois… noite fora; e o que fica? Eu e tu num desenho perfeito de liberdade, de um querer imenso e de mil palavras que leio e releio, e que perdura muito para lá da poesia de cada novo amanhecer.

Entre as letras e as uvas intromete-se às vezes o sol para que as palavras e o vinho ganhem contornos da mais inspirada poesia…

Entre as letras e as uvas intromete-se às vezes o sol para que as palavras e o vinho ganhem contornos da mais inspirada poesia. Eu escrevo sempre como se o Alentejo estivesse à minha frente e o meu amigo Ilídio Monteiro produz vinho em Trás-os-Montes algures nas encostas do Douro. Mas do longe se faz perto e um dia trocámos um livro, que foi enviado pelo correio, por uma garrafa de um néctar fantástico que me chegou através da gentileza e simpatia do escritor Transmontano Fernando Calado, que a entregou na FNAC do Chiado precisamente no dia em que eu e o Ângelo Rodrigues apresentávamos o livro “Nós”. Entregue num dia tão especial, a garrafa foi aberta num outro dia também muito especial; no passado dia 12 para comemorar as Bodas de Ouro dos meus pais. E o vinho é / era pura poesia. As minhas palavras estarão guardadas num livro algures no Douro, agora entre as vindimas na quinta que eu prometo visitar em breve.     Entre as letras e as uvas… E também entre os dias introme

A minha estação preferida

Namoraram durante todo o Verão, e agora as folhas tomaram finalmente do sol, a sua ambicionada cor, e cumprem o sonho de voar deixando-se ir com o vento e passando resvés à minha janela. Vejo-as nas tardes que suavemente se deixam apagar mais cedo e que pedem a bênção de uma manta para nos oferecerem serões longos de suaves e doces silêncios de onde a alma emerge. O Outono devolve-me a mim… E devolve-me às palavras que nascem do conforto da minha vontade para tecerem e darem corpo às histórias inventadas com a ousada cumplicidade rubra das romãs e o doce dos diospiros e das gamboas despidas, cozidas e vestidas de açúcar. Mais tarde virão as castanhas e as bolotas que assaremos nas lareiras acendidas para o Natal. E por entre os beijos partilharemos as castanhas quentes e salgadas num misto perfeito de terra e Atlântico; será ali para as bandas do Rossio.    

Estes dias que tomam a minha cor

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A terra cúmplice de tanta História e que já se perdeu na idade, reinventa-se calando o Outono com rosas acesas no tom perfeito que colhe o nome da própria flor. E bem pode a aragem chamar Outubro, e as laranjeiras espreguiçarem-se ao sol em delírio de verdes frutos que amadurecem para no inverno vestirem a cor a que também dão nome… O cisne já dorme a um canto do lago cobrindo com a asa o seu imponente pescoço, mas o grilo persiste no seu canto, indiferente ao silêncio nocturno do relógio da Torre do Paço que repousa entre as vinte e duas e as sete horas do dia seguinte. A média luz e no silêncio do meu quarto de rapaz eu escrevo um poema de amor. Já me perdi na idade mas persisto a romper os silêncios e as convenções. Ao sol de um amor perfeito, os meus dias jamais deixarão de tomar a minha cor.            

"Onde correm rios verdes"

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As ladeiras diluem-se na vontade de chegar por entre a maior indiferença relativamente às distâncias. Já conheço as árvores que ladeiam a auto-estrada A6 e tenho as minhas preferidas, conheço as casas, os montes... Deixo que o YouTube faça a " Minha Mix " e entre Zambujo e Abrunhosa, John Grant canta três vezes: " I want to go to Marz "... "Onde correm rios verdes". À entrada de Vila Viçosa e como no tempo em que eu era rapaz, há a escultura de uma cegonha junto ao depósito das águas, do exacto sítio de onde se avista o castelo para onde eu hoje tomo caminho. Tenho amigos à espera e as palavras anseiam por se soltarem como pontes seguras que persistem entre nós. O sol despede-se da Vila a beijar a Igreja de Nossa Senhora, e eu faço uma foto depois de estacionar o carro e ter percorrido as pedras entre as laranjeiras. "Onde correm rios verdes". Marte é às vezes a nossa casa... e a nossa casa é o sítio que nunca sentimos distan

Nós os dois na eternidade de uma Lisboa que já cheira a Outono

O ar já não desmente o Outono quando Lisboa ao fim da tarde se faz cúmplice do nosso encontro, quando o meu olhar sacia a sede do teu. Cumprimos a universalidade dos navegadores calando de vez as fronteiras que poderiam ainda persistir entre nós, o teu respirar é o perfume perfeito que me envolve por entre o gosto a mar, e o teu corpo trouxe definitivamente com ele as fórmulas secretas, ocultas especiarias que cumprem o máximo desejo à superfície do meu. Tu conheces-me bem… E enquanto as nossas mãos navegam um pelo outro como caravelas na rota de sábios e astrolábios, há palavras que se alinham no épico destino dos versos de um poema; a Odisseia dos amantes… A Ilha dos Amores no Canto Décimo da arte de Camões. Nós os dois na eternidade de uma Lisboa que já cheira a Outono.

Nascemos...

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Nascemos ao ritmo dos beijos, e depois, deixamo-nos ir com as gaivotas num voo alegre pelo céu de sal da praia deserta. As asas, tomámo-las do instante em que desistimos da identidade dos nossos braços e nos entrelaçámos um ao outro. O abraço perfeito e apertado pela vontade. Só o mar acompanha a música que escolheste para esta tarde em que as palavras se adiam sem remorso, tão nítida é a certeza de que é nosso e imenso todo o tempo que define o futuro. E fugimos voando os dois na rota que nos leva a nós; por um segredo, por um atalho e um viés no previsível. Talvez mais além possa um pescador puxar peixe nas redes e as gaivotas desistam de voar. Mas nós persistiremos. A voar, a nascer... Juro que jamais guardarei só para mim o impulso infinito de um beijo que nasça nessas tardes que nos oferecem tudo e um berço; as tardes dos dias perfeitos que começam sempre quando me chamas... meu amor.

Eu, tu e todas as noites

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Mudo a História, a poesia, contrario as letras das “velhas” canções e não te peço à noite; sou eu quem incansável te oferece a todas as noites por onde eu passo e aonde eu vivo. É mais veloz e fiel o pensamento do que qualquer gesto, e por isso tu estás na lembrança, mais do que “ali à mão”, vestindo os segundos todos dessa paz que não se explica nunca com inteira justiça em relação ao tanto que se sente. Um amor inacessível às palavras e a outros humanos e mundanos detalhes… e nós a cruzarmos abraçados o tempo todo, os dias e as noites, oferecendo a luz que se solta da autenticidade da festa de sermos nós e do despudorado usufruto da mais doce liberdade. Eu oferecendo-te a todas as noites como quem acende a lua e os luzeiros todos que o céu tem… Numa nova poesia.

Uma definitiva história

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Há um transversal sentido que te faz cruzar comigo todos os segundos Este amor revestiu de ti cada mais ínfimo recanto do pensamento e da memória O ranger de uma velha nora insiste em contar o tempo Enquanto toma da Terra a seiva que mata a sede aos frutos doces do pomar Segundo a segundo A água O pensamento E nós entretidos a viver uma nova e definitiva história

Há dias que nascem para que nós cumpramos a festa que devemos à vida…

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Há dias que nascem para que nós cumpramos a festa que devemos à vida… Um chão de mármore resgatado da terra onde brincámos e depois devidamente polido para ser o espelho informal dos círculos de amigos em circunferências de palavras e riso, das rodas dos meninos de mãos dadas a cantar… Olhares cravejados por carvão no papel ou então moldados de açúcar, os cliques, as fotografias, a pose, a arte e a poesia que têm marca de eternidade… O ouro dos instantes, das alianças, dos presentes, do tempo que nos passa pelos dedos e permanece… A fé que cruza a História e nela fica definitivamente tatuada; duas violas, rosas vermelhas e brancas, as vozes, as canções com letras de anónimos poetas, um órgão que dá o tom, os salmos e as palmas… Um piano rasgando a tarde, um menino que brinca com a paz de um anjo sentado, um brinde que borbulha quando o sorriso disfarça as rugas e o muito que ainda queremos viver nos apaga a idade… Os beijos e os abraços que não cessam. Há dias que nas

Os poetas às vezes choram enquanto rezam

Senhora da Conceição, Inspiradora e Mãe de todos os Homens Por ti damos graças a Deus… Louvamos-te pelo calor do manto que nos estendeste nas noites frias, o colo e o xaile das tias e das avós que nunca falhavam ao serão. Damos-te graças pelo sentido de coragem, ambição e ousadia com que impulsionaste os nossos passos, os mesmos passos que às vezes no silêncio da noite rasgaram descalços as calçadas para chegarem até aqui na maior intimidade de um louvor. Damos-te graças por seres o conforto na saudade dos que partiram quando nos ajoelhamos sob o teu olhar e disfarçamos as lágrimas dos nossos com as palavras e o sentido das Avé Marias. Louvamos-te pelo pão amassado, o aconchego do trigo, as flores de Maio e o tempo todo, o crepitar da lenha no inverno, o doce calor do verão… pelo silêncio da planície onde o Céu ressoa, pelos gritos e os punhos serrados que destroem muros e oferecem novos e definitivos rumos. Senhora da Conceição, castelo e refúgio, muralha, torre guardiã

Um SIM de ouro

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O ouro, eu sinto-o em mim muito mais do que na contagem do tempo, que eu sou o detalhe de um sonho vosso e bonito concretizado e tecido a beijos e carícias. Beijos… partículas de um infindável amor inacessível às palavras, mesmo até às mais perfeitas que nascem das cascatas de verdade que brotam na alma dos poetas… No embalo doce dos vossos braços tom de berço, tomei da vida o impulso e a liberdade, e voei por sobre o mundo nas asas de ser eu... No silêncio dos vossos passos descalços que correm a apagar-me os medos no frio das noites, ganhei a Terra e a coragem… Quis ser grande, continuo a sonhar ser maior… uma ave que veste a ousadia da cor de todas as rosas com que me desenharam o melhor caminho. E tudo começou com um sim numa tarde de Setembro. Passam hoje precisamente 50 anos… Mas o tempo pouco importa se nos unem muito mais de mil anos de amor. 

PAI

Sou muito pequeno para a cadeira de barbeiro cujo assento vais virando à medida que os clientes vão entrando e saindo; e por isso, antes que eu me sente, colocas um monte de jornais velhos devidamente atados que me oferecem a altura de um homem. Depois, sinto-me bem com o pano branco que cheira a Sabão Clarim e que me envolve aparando as ondas do cabelo castanho que vais cortando aos poucos. Escuto o ruído da tesoura afiada junto aos ouvidos e sinto o teu respirar como se estes minutos fossem partículas de um imenso beijo. Pai, o tempo passou desde esse tempo em que me cortavas o cabelo na barbearia do padrinho João Ramos, à Rua de Cambaia; e eu cresci... Foste tu que continuaste sempre a pôr palavras, não de jornais mas de vida, para eu chegar à altura que tenho hoje, a dimensão feliz de um homem tecido pela liberdade. És tu que não desistes de me envolver com o amor de um beijo que nunca deixamos que termine. E os cabelos já não são castanhos e já se tingiram do cinza d

Eu também vi o debate entre Passos e Costa…

Eu também vi o debate entre Passos e Costa… Ontem um pouco depois das oito da noite sentei-me em frente ao televisor, jantar num tabuleiro, e a expectativa da “conversa” entre os dois candidatos, um dos quais será o próximo-primeiro ministro do meu país. Cidadão da chamada classe média e com uma taxa de IRS que me “rouba” mais de metade do salário anual, eu fui legitimamente em busca de pistas para o futuro e para poder fazer uma escolha consciente nas eleições do próximo dia 4 de Outubro. O que vi… As três estações de televisão em sintonia como nos sábados e domingos à tarde e inevitavelmente para um espectáculo pimba; com uma desvantagem destes apresentadores relativamente aos que gritam em cima dos palcos de Carrazeda de Ansiães ou Vila Pouca, é que estes raramente acertaram e olharam para a câmara certa. O conteúdo… gráficos, números acrobatas, acusações, mistificações, passado, Sócrates, “foi você”, o fado da desgraçadinha, os “maridos” enganados, as traições, o “ping-

MÃE

Recortamos os dias à nossa medida e dispensando figurinos ou modelos, pois bem maior é o sonho que nos move, e a liberdade. Com as linhas dessa nossa cor alinhavamos primeiro, e depois com toda a sensatez, reforçamos o ponto, tornando quase indestrutível essa vida costurada a dois... e a quatro. Fazemos dobras e bainhas no tempo para guardarmos coisas só nossas, como segredos; bainhas e tempo que descemos e subimos consoante o tamanho da nossa vontade. Somos nós que com agulhas e dedais, e às vezes picando os dedos, caseamos lares de botões (de todas as flores) à janela. Somos nós que fazemos a casa mais perfeita. E quando às vezes o destino nos rasga os dias, cerzimos tudo com arte, paciência e infinito afinco... como o ferro que apaga o amarrotado efeito das adversidades. Mãe, entre o tempo em que me pegavas ao colo para que eu cavalgasse para o sono enquanto costuravas na nossa velha Singer, e este tempo em que segues no banco traseiro do meu carro e eu te vejo a bocejar

Entre Pessoa e as canções... os meus dias

Fazer anos no verão também tem algumas vantagens interessantes. Ontem, e por culpa dos desencontros de férias recebi dois presentes de dois colegas que há muito ultrapassaram esse estatuto e estão sentados num lugar cativo no espaço reservado aos melhores amigos. Dois presentes mais de dois meses depois de cumprir o aniversário. Recebi um livro com poemas seleccionados de Fernando Pessoa e um Moleskine Passion dedicado à música, com direito a Post-it anexo fazendo votos de que a minha memória para datas, músicas e intérpretes da Eurovisão seja para sempre perpetuada. Os meus amigos conhecem-me bem. Assim, para além daquilo que a memória guarda e escreverei no bloco, vou passar a registar prospectivamente nomes de artistas, letras, concertos, a minha vida em música, etc.; tudo seguindo os diferentes capítulos propostos de forma muito organizada pelo Moleskine. E se um dos meus poemas favoritos de Alberto Caeiro, e que consta no livro, reza que: " Se depois de eu morrer

Setembro

A copa verde e densa que nos oferece sombra para o descanso na manhã repleta de sol é uma herança doce da primavera que passou. Ainda há pouco subimos o jardim seguindo as veredas definidas pelo granito alinhado na forma de pequenas pedras, e não conseguimos declinar a generosidade de um banco de madeira que oferece espaço para os dois. O sol de verão de uma manhã de um muito jovem Setembro a pedir-nos incessante a bênção de uma sombra. Sentamo-nos, recostamo-nos, e trocamos a perna apercebendo-nos que têm tom de Outono, e de entre o ocre e o sangue, as folhas caídas junto aos nossos pés. A sombra realça a brisa, e os ouriços verdes e gigantes do castanheiro à nossa frente, chamam para aquele instante a genética da montanha que a neve enfeita em Dezembro, e o calor salgado vendido às dúzias nas castanhas que o braseiro “incendiará”. Entre palavras damo-nos não sei quantos beijos; que impossível será estimar aquilo que sendo muito, soará sempre a pouco. E pedimos ao tempo

Uma nave e o universo

Demos aos dias uma forma que não vem nos compêndios, oferecemos-lhes a geometria do desejo que conflui para um abraço, e construímos com eles uma imensa nave que revestimos de liberdade e de onde conquistamos o universo. Um caminho de granito sob um tecto de quercos e castanheiros, os nossos passos incendiados pela festa de uma fonte que corre para nos perfumar de água fresca, o toque fugaz na tua pele que tem tanto de seda, “os musguitos”, as palavras de amor que se soltam com a leveza dos mais doces segredos… E eu voo por sobre um imenso vale bordejado de fruta, de promessas de cerejas, do tom rosado das maçãs, uma casa infinita onde sempre espreita inesperado o alecrim. Dono do mundo. Que importa o pouco que os outros possam ver de nós, se eu sinto que o teu abraço é tudo e o tudo perfeito onde eu finalmente aconteço? Até o banal se apaga na fonte onde corre perfeito um imenso amor. Uma nave, o universo… dias tão diferentes mas tão nossos.

Uma tarde de Setembro... e NÓS

Há tardes que enfeitamos com as palavras que fomos colhendo da poesia do tanto que vivemos. Tardes de Setembro, de um meio-dia em tom de estio, e de um ocaso que chega cedo cumprindo a sina de um inevitável Outono. Tardes de Setembro, tardes em tom de vida... E essas palavras são pedaços de nós no retábulo alinhado dos versos que um piano acaricia por entre o gosto doce de uma festa de liberdade... e de verdade. A festa que se sente de tantos e de todos pela denúncia dos olhares. Ao lado, a Serra, degrau definitivo para um céu que parece sorrir por nos ver assim a sermos nós. Muito obrigado aos muitos amigos que ontem se juntaram a NÓS na Covilhã. Um livro acontece ao chegar às mãos de quem com ele se deixará ir pelos sonhos colhendo a poesia guardada nas horas.

O mundo morreu

Deixamo-nos morrer pelas praias em corpos vestidos de crianças, como pianos abandonados e envoltos pelo silêncio e pela bruma nos areais para onde desterrámos os nossos dias. O céu rasgado pelo fogo da ira travestido de salmo e cântico a Deus, o chão em brasa na vaidade dos Homens e da conquista, o pó dos berços que foram à nossa casa... e só o mar permanece azul e constante na melodia do vaivém das ondas. Entre a morte e a morte escolhemos o azul que nos resta, um céu de sal, pedindo que a dor não ultrapasse a dimensão de um suave adormecer. E depois morremos todos pelas praias calando a poesia do amanhecer e inundando o vento do eco triste que levará o pranto bem para lá dos canaviais... O mundo morreu.

Sintra e uma noite de lua cheia

Na estrada escura que rasga a serra e tem tecto de carvalhos e pinhos, há entre muros e musgo, e entre os sete e tantos ais das mouras lendas, o eco eterno dos poetas, bênção, voz da Terra a namorar a lua que por estes dias está mais cheia do que nunca. Depois do Lawrence's de Byron e Eça, abro as janelas; já há muito passou a meia-noite, e no sublime tom das palavras certas eu escuto incessante o teu nome. Sintra repousa em doces travesseiros e encostada às esquinas enfeitadas por candeeiros e ténues gambiarras, para que do lusco-fusco com ar de mistério possa eclodir o Castelo e a Pena, a "explosão" de uma luz tão intensa e cúmplice da lua. E o teu nome vai soando... Será por eu te querer tanto? Ou será porque tu vives nas sílabas todas dos versos dos poetas?

Uma alma imensa guardada num castelo de querer de granito

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Há almas imensas guardadas em corpos valentes de guerreiros como tesouros em castelos, os heróis completos que não assumem o impossível, aqueles que pela sua enorme fé e de encontro aos seus sonhos jamais soletram qualquer tempo do verbo desistir. Reencontrámo-nos por um agradável acaso em Budapeste no verão de 1996, e a seu pedido tirámos uma foto na parte velha de Buda. Como sempre tratou-nos por “meus rapazes”, a mim e ao João Paulo, com toda a legitimidade de quem um dia nos ajudou a crescer. O tempo passara desde os verões quentes dos anos setenta no Alentejo, o muro caíra, a cortina de ferro acabara rasgada, e estando ali os três ironicamente a leste, senti-lhe a voz mais calma do que antes no púlpito quando “gritava” as palavras escritas para a homilia com uma componente guerreira na forma de viver a fé “em tempos adversos”. Com a perseverança de um fio de água que sabe ser capaz de derrotar até a pedra mais dura. Ficou comigo esta imagem de guerreiro, simultaneame

As tardes de Lisboa são eternas

Na tarde de domingo no Chiado, entre Portugueses de passeio ou a caminho da missa, estrangeiros que vão ou vêm da Brasileira e comem Pastéis de Nata, o eléctrico 28 e os Tuc-tuc's, paro à esquina da Rua das Flores dando as costas ao Tejo e o olhar à Praça de Camões, onde os desenhos de basalto da calçada são "rasgados" pelo voo rasante dos pombos e os passos de toda a gente. Um rapaz aproxima-se, senta-se num banco à minha frente e é fácil identificar o livro que traz com ele marcado com post-it's: "L' anno della morte di Ricardo Reis". E ali se queda por instantes lendo umas páginas e fechando de seguida o livro para continuar o seu caminho, não sem antes consultar o mapa da cidade. Na tarde de Lisboa sente-se a universalidade de Pessoa e de Saramago à sombra de Camões e de Eça de Queiroz, e também eu por momentos recordo os passos do Dr. Ricardo Reis, heterónimo do poeta de "A mensagem", o médico que viveu exilado no Brasil e que regr

XADREZ

O comboio saiu há pouco de Santa Apolónia, o Tejo à minha direita e a velocidade cada vez mais alta. Chegarei a Castelo Branco por volta do meio-dia. Conforme o estranho convite que recebi, alguém estará à minha espera na estação. A pedido, levo no bolso o rei negro do xadrez com que sempre brinquei em pequeno, e temo que tudo isto seja uma estranha “xarada”. A mulher ao meu lado veio do Brasil onde esteve emigrada e traz com ela o neto a quem chama de “meu xodó”. O rapaz aí com uns cinco anos toca de forma irritante, um xilofone colorido, e já chorou a gritos soltos quando a avó tentou dar-lhe o xarope para a tosse. O Ribatejo, a Beira… O comboio para finalmente na plataforma de Castelo Branco, eu desço e sou de imediato interceptado por um senhor com uma idade algures pelos sessenta anos que se identifica como o meu motorista. - Tenho uma carrinha lá fora. - Posso passar pela Casa de Banho? - Claro. Esperarei por si já no interior da carrinha de cor cinzenta. Não me