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A mostrar mensagens de maio, 2020

A vida é bela

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Nestas manhãs de primavera tenho o aplauso dos pássaros, quando ainda ensonado, abro as portadas de madeira da janela do quarto. Nas manhãs, como em tudo na vida, o sol faz a diferença, e sempre para melhor. Quer falemos do astro rei, quer daquele outro que irradia pelo olhar ou pelas palavras bonitas da gente que gosta de nos mimar. Esta semana “desconfinei” um pouco mais, e que bem me soube o café matinal tomado na pastelaria Tiborna, aqui bem perto de casa, em Vila Viçosa. A máscara não nos esconde o sol, e eu acho até, que à semelhança do que Roberto Benigni idealizou no filme “A vida é bela”, eu e os meus conterrâneos resolvemos assumir que isto não é, afinal, uma guerra, mas antes um imenso jogo entre uma espécie de cowboys, de mascarilha, que no final teremos vencer, por arte e empenho, muito mais que engenho. Não sei se é um modo de estar muito alentejano, mas às vezes parece-me que sim, este de levar a vida pela positiva, e sempre a rir, sem que tal belisque a

Fátima e uma noite vazia mas inteira

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Quando era rapaz íamos a Fátima de autocarro, com as amigas e os amigos, mais os pais deles. Na noite que antecedia a partida, as nossas mães mal dormiam porque havia que terminar de fritar os rissóis de pescada, cozer as empadas de galinha, tostar o arroz no forno, para além de cuidar da arrumação de todas as iguarias na geleira. Ao contrário do tempo das nossas mães, que era escasso, o nosso mal se movia, e nós também dormíamos mal, mas era com aquela ansiedade de quem ainda vê longe a manhã. Partíamos antes do sol nascer, e ali por alturas de Ponte de Sôr fazia-se uma paragem técnico sanitária para alívio das bexigas, com o género como critério e a estrada como fronteira. Rezávamos e cantávamos durante a viagem, socorrendo-nos da Playlist que a Zinha tinha elaborado na semana anterior. Também existia sempre alguém que enjoava por força das curvas da estrada, mas como não era doença de perigo, a coisa até servia para distrair. Chegávamos a Fátima... Ficávamos junt

Frívolas virtudes no país da norma

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Há alguns anos, durante uma conversa sobre as religiões e a sua dimensão cultural, um amigo comentou de forma muito natural, que nós, os católicos, seremos confrontados com maior exigência na hora do juízo final, tão só porque nos foi dado conhecer o “verdadeiro” Deus. Nós já saímos da Idade Média, mas ela insiste em não sair de alguns de nós. Um outro amigo, e numa outra conversa, confessou-me a sua satisfação por ter encontrado uma médica que lhe solucionou o seu problema de saúde, afirmando de forma muito natural: - Ela é Brasileira, mas é muito competente. Já se ela fosse boa a tirar bicas num bar qualquer. E por acaso em Paris, nós, os Portugueses, também estamos identificados como sendo bons a limpar casas de banho. Ainda hoje sou questionado sobre se sei cozinhar, limpar a casa ou passar a ferro, dado que vivo só há trinta e seis anos, e a recorrência da pergunta deve-se apenas ao facto de eu ser homem. “A mulher na sala e na cozinha”, ainda e sempre como no

A noite é a pátria das rosas

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A noite é a pátria das rosas, e em Vila Viçosa, quando os sinos se retiram, logo após o bater das dez, só elas se escutam num linguajar com tanto de perfeito como de enigma. “Quando inerte, na paz do cemitério, o meu corpo matar a fome às rosas”. Florbela repousa aqui, neste chão que nos pertence desde o berço, e talvez o canto sem frases e sem véus que se escuta à noite, seja o pão dos poetas, tomado docemente num purpuro banquete de sangue impregnado de verdade. À noite saio para falar com as rosas, e tomo-lhes o prenúncio de maio, no desassombrado espreguiçar das pétalas ao sabor do vento que corre de todos os lados. Não sei o que sou, e talvez jamais o consiga saber, mas nada poderá ser tão verdadeiro a definir-me, quanto este assumido deleite de um homem que sai à noite para falar com as rosas, e tomar-lhes o perfume que emana dos seus mais estranhos vocábulos. Porque ao contrário do catastrofismo crónico da voz dos arautos da sensatez, do cinzentismo do