A noite é a pátria das rosas


A noite é a pátria das rosas, e em Vila Viçosa, quando os sinos se retiram, logo após o bater das dez, só elas se escutam num linguajar com tanto de perfeito como de enigma.
“Quando inerte, na paz do cemitério, o meu corpo matar a fome às rosas”.
Florbela repousa aqui, neste chão que nos pertence desde o berço, e talvez o canto sem frases e sem véus que se escuta à noite, seja o pão dos poetas, tomado docemente num purpuro banquete de sangue impregnado de verdade.
À noite saio para falar com as rosas, e tomo-lhes o prenúncio de maio, no desassombrado espreguiçar das pétalas ao sabor do vento que corre de todos os lados.
Não sei o que sou, e talvez jamais o consiga saber, mas nada poderá ser tão verdadeiro a definir-me, quanto este assumido deleite de um homem que sai à noite para falar com as rosas, e tomar-lhes o perfume que emana dos seus mais estranhos vocábulos.
Porque ao contrário do catastrofismo crónico da voz dos arautos da sensatez, do cinzentismo do traje de prudência usado para travestir o medo dos submissos, e da acidez das sacristias que trai as manhãs de ressurreição... não existe silêncio que não tenha flores.
E quando, pelas sete da manhã, os sinos se devolvem à música que chega aos prados e trepa colinas, ter-nos-emos reinventado segundo as letras e a alma do sonho inédito que há tanto tempo esperávamos.
A noite é a pátria das rosas, como um eterno e repetido maio onde cada um se redescobre mais forte e maior.
Que maio nos devolva o melhor que têm os dias, por entre o perfume do campo e o pão novo.
 
 

 

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