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A mostrar mensagens de julho, 2019

Uma viagem a Jerusalém...

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Quando sobre a Caparica, o avião curva para a direita, procurando Lisboa, despeço-me do sol e agradeço-lhe a viagem desta tarde: a bordo da Terra, eu segui-o desde o oriente. Sei que ao repousar finalmente na minha cama, sentirei o balançar suave do meu barco à superfície doce do Mar da Galileia, olharei bem para o alto, para as montanhas a que fé foi dando nomes e virtudes, e, quase a adormecer, talvez faça renascer na pele das mãos, a textura suave das pedras onde nasceu e ressuscitou o meu Senhor. E por entre as janelas da memória, chamarei até mim o odor das especiarias que roubei às ruas de Jerusalém, esse incenso despretensioso e improvável que acaricia o passeio dos sacrários: Cristo a caminhar pelo gesto incessante dos nossos passos. Amanhecer em Jerusalém e adormecer em Lisboa, numa viagem à procura do sol. Dos meus sete dias na Terra Santa escolhi esta foto que tirei com a Joaquina em Emaús. Somos há muito amigos no Facebook mas apenas no conhecemos pessoalmente no a

Um domingo de 2019 em Jerusalém

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Nas ruas sombrias de Jerusalém, bem cedo, de manhã, as pedras soletram todos os passos de um homem com uma cruz, exatamente quando o tempo mudou, já passaram duas vezes mil anos. Ajeito o passo e começo a andar, sentindo que a cidade é o mundo inteiro, e o homem é expressão divina no rosto de um homem que é muito mais do que apenas Ele: somos todos. I - O Homem é condenado à morte, apenas por querer ser livre e ser ele mesmo, pensando ou não de forma diferente dos demais.  II - O Homem carrega a cruz das suas noites sem luz e sem beijos, solitário nos recantos mais escuro e inóspitos das cidades. III - O Homem cai pela primeira vez, e talvez de uma balsa que trai sem pudor, a sua vontade de um porto de paz. IV - O Homem encontra a sua mãe, desempregado, sem rumo e sem poder corresponder à esperança das tardes em que ela o mimava por sobre todas as penas. V - A dor é intensa e requisita-se alguém que a alivie. Ainda existem Cirineus nas ruas de Jerusalém. VI - Uma mulher limpa o rosto

Às portas de Jerusalém

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Os pássaros virão ao fim da tarde, e escreverão em voo, salmos sobre a nossa espera, com a tinta negra das suas asas que parecem ler-nos a prece. A morte é este repouso breve, doce e anónimo no longo Vale dos Reis, aguardando Deus, que regressará para entrar triunfante pelas portas douradas, levando-nos com Ele até ao Céu. Nenhuma cidade terá tanto de Céu quanto Jerusalém, sendo também, e estranhamente, a geografia da morte dos profetas. Nas pedras gastas de Jerusalém há o eco de mil palavras de Deus, por entre o grito da sua dor, e da nossa dor, quando cravejados de balas por termos acreditado que o poder dos Homens partilha o trono com Deus. É sábado em Jerusalém e eu visito o túmulo do Rei David depois de colocar a Kipá sobre a cabeça, sinalizando que Deus estará sempre sobre mim. Sobre mim e sobre a minha espera, que todos somos passageiros sentados nos vales ao redor de Jerusalém. Há homens que rezam ali, na Sinagoga, numa língua tão estranha, quanto os gestos que an

Presépios e árvores de Natal...

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As pessoas que persistem são árvores frondosas que nos abraçam de sombra perfumada nos jardins da memória. De manhã procurei Aristides de Sousa Mendes em Jerusalém, nos jardins do Museu do Holocausto, e encontrei-o exatamente no dia em que passam 134 anos sobre o seu nascimento. É um pinheiro frondoso. De tarde , e quando o sol já se propunha deixar Belém, ajoelhei-me na gruta da natividade para saudar o Jesus menino, seguindo a geografia da fé e do Natal. Há momentos maiores do que nós, e ali eu fui muito mais do que apenas eu: os meus pais, os meus avós, o meu irmão, os amigos todos... A vida passou ali em 10 segundos, e com ela todos aqueles de quem sou feito. Mas entre Aristides e a natividade de Jesus, reflectindo o mundo, há muros e uma fronteira com gente armada.  No presépio do século XXI exige-se passaporte, e a crueldade mata a poesia das estrelas que definem os caminhos da liberdade. Estamos sentados no hotel em Jerusalém, da mesma forma que antes em Vila Viçosa,

Jerusalém...

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Subirei para Jerusalém, cidade santa, um dia, ao cair da tarde, levando comigo, em braçadas toscas mas intensas, as flores dos anos todos que vivi. Trarei preso aos pés o pó de mil cidades e outros tantos caminhos, e na boca, a prece e os salmos a um só Deus, ainda que com tantas faces. Cruzarei a porta de Damasco e sentar-me-ei sossegado numa pedra com rosto de degrau, mas essência de altar, esperarei a lua, cruzarei o cantar de todos os galos com um sim atado aos lábios, e ao sentir Cristo passar, atarei o pó dos meus passos aos Seus, caminhando com Ele até ressuscitar.  Por entre todas as flores...

Donos do tempo...

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Recordo-me bem do Natal de 1983. Évora é uma cidade que Dezembro quase sempre encontra fria, mas nesse ano, até a água que escorria tímida das torneiras da velha Quinta de Santo António parecia empenhada em congelar-nos os dentes na hora de os lavarmos, muito cedo, pela manhã. Poderia partilhar convosco mil detalhes do que então fazíamos, mas nada seria tão justo quanto a expressão do nosso propósito: procurarmos o tempo para o pormos a jeito de lhe chamarmos nosso. Tínhamos fé, rezávamos juntos, e prometíamos ser felizes, arrastando à força as primaveras para cima de qualquer tempo frio. Partimos... E hoje, por um feliz e imenso “acaso” traçado pela agenda de amigos comuns, vimo-nos juntos a bordo de um barco no Mar da Galileia, em Tiberíades, Israel. Desses dias de Dezembro estou eu, a Isabel, a Mina, a Manuela, o Zé e o Padre Manel Zé, com a felicíssima coincidência de a Isabel celebrar hoje 50 anos. As águas doces deste mar são calmas numa manhã quase sem brisa, com

Olhando-me ao espelho...

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Olhando-me ao espelho numa manhã de julho parecida com aquela em que nasci em Vila Viçosa, mas por certo menos quente, não me vejo alto nem baixo, vejo-me mais para o gordo, com uma cabeça que a boina confirma avantajada, e vejo-me com uma barriga proeminente. Estou a sorrir, como gosto de ser, sentindo que a alma vai em contramão na rota da idade que o rosto não desmente. Porque se é verdade que tenho rugas e a barba de branco tingida, sinto cada vez mais vontade de brincar, e tenho menos certezas sobre tudo, e até sobre a própria vida. Tenho fé em Deus, que é algo que não se explica, e confesso rezar muitas vezes na rua ao longo do dia, sentindo que Deus prefere morar na vida de quem passa por mim, muito mais do que nos recantos obscuros de uma sacristia. Às vezes sou de esquerda, outras vezes de direita, porque sou sempre daquilo que a consciência me dita, recusando-me a ser a bengala ideológica de uma voz sem cérebro e sem alma, que, de um modo cego, apenas grita. Sou