Olhando-me ao espelho...


Olhando-me ao espelho numa manhã de julho parecida com aquela em que nasci em Vila Viçosa, mas por certo menos quente, não me vejo alto nem baixo, vejo-me mais para o gordo, com uma cabeça que a boina confirma avantajada, e vejo-me com uma barriga proeminente.
Estou a sorrir, como gosto de ser, sentindo que a alma vai em contramão na rota da idade que o rosto não desmente. Porque se é verdade que tenho rugas e a barba de branco tingida, sinto cada vez mais vontade de brincar, e tenho menos certezas sobre tudo, e até sobre a própria vida.
Tenho fé em Deus, que é algo que não se explica, e confesso rezar muitas vezes na rua ao longo do dia, sentindo que Deus prefere morar na vida de quem passa por mim, muito mais do que nos recantos obscuros de uma sacristia.
Às vezes sou de esquerda, outras vezes de direita, porque sou sempre daquilo que a consciência me dita, recusando-me a ser a bengala ideológica de uma voz sem cérebro e sem alma, que, de um modo cego, apenas grita.
Sou incondicional da liberdade, do respeito, do amor e da diversidade, acredito e defendo a democracia, e por ser adepto da honestidade, nada de mim disfarço ou despejo, até mesmo, e principalmente, na hora de um beijo.
Sinto-me imensamente português quando encaro, orgulhosamente, o mar de frente, com paixão e com garra, ou então quando choro com a letra de um fado ou o acorde de uma guitarra.
Não gostando jamais de perder o norte, sou inteiramente um homem do sul, alentejano e campeão na glória de um golo do Benfica, embora escolha quase sempre a roupa em tons de azul.
Defeitos tenho muitos, refinados com o passar dos anos: sou teimoso, casmurro, e então se me mudam os planos...
A família é a casa onde gosto de morar, e os amigos, um jardim em volta que eu não dispenso para nada nem por nada. Dizem todos que sou bom a dar conselhos, que tenho boa memória e que tenho uma conversa muito animada.
Generosidade deles, por certo, benefício da amizade, e antes que o espelho se apague, o que mais poderei dizer?
Já sei. Gosto de me moldar num corpo de letras, alinhado em parágrafos ou versos, que as pessoas, às vezes, gostam de ler.

 

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